Os brasileiros, de modo geral, conhecem muito pouco sobre a rica e complexa História da América Latina. Este livro foi pensado, assim, com o objetivo de oferecer ao leitor um amplo quadro de suas principais temáticas. Pretendemos abordar aspectos variados de cada momento histórico, passando pela política, sociedade – incluídas suas dimensões étnicas e de gênero –, cultura e economia; igualmente, escolhemos destacar as trajetórias de relevantes personagens masculinas e femininas. Também procuramos indicar as intrincadas relações entre a América Latina e o mundo ocidental em algumas de suas múltiplas faces.
O Brasil, como todos sabem, faz parte da América Latina. Nossas histórias correm paralelas desde a colonização ibérica, passando pela concomitância das independências políticas e da formação dos Estados nacionais e chegando aos temas do século XX, como a simultaneidade das ditaduras civis-militares. Salientem-se, do mesmo modo, as semelhanças no que se refere à circulação de ideias e de pessoas, às práticas políticas, às questões sociais e étnicas, à produção cultural e à perspectiva religiosa. Portanto, neste livro, embora o Brasil não seja o alvo de nossas reflexões, referências a sua história serão ocasionalmente feitas.
A denominação América Latina integra nosso vocabulário cotidiano. Mas sua historicidade precisa ser lembrada. Esse termo foi inventado no século XIX, carregando desde suas origens disputas de ordem política e ideológica. Os sentidos que lhe foram atribuídos estão vinculados às polêmicas que envolveram, de um lado, franceses e ingleses (século XIX) e, de outro, latino-americanos e norte-americanos (séculos XIX e XX).
A precisa origem do termo tem sido alvo de controvérsias. Para uma corrente, os franceses propuseram o nome como forma de justificar, por intermédio de uma pretensa identidade latina, as ambições da França sobre esta parte da América. Para outra, foram os próprios latino-americanos que cunharam a expressão para defender a ideia da unidade da região frente ao poder já anunciado dos Estados Unidos.
Acompanhando a primeira perspectiva, o autor da concepção de uma América latina teria sido o intelectual, político, economista e viajante francês, Michel Chevalier, em obra de 1836.Seu relato de viagem aos Estados Unidos entendia a história do mundo ocidental como a realização de embates entre “civilizações” ou “raças”. A novidade do texto de Chevalier estava na transposição para o Novo Mundo das disputas entre “latinos católicos” e “anglo-saxões protestantes” que já se davam em território europeu. Para Chevalier, a França, “sendo a primeira das nações latinas”, deveria liderar suas irmãs europeias e americanas na luta contra os países de origem saxônica. De fato, as ideias do viajante francês coincidiriam com as justificativas dos posteriores projetos políticos expansionistas de Napoleão III com relação ao México.
A afirmação da tese da origem francesa do conceito de América Latina tem como pressuposto a ideia de que os habitantes que viviam ao sul do Rio Grande apenas aceitaram de maneira acrítica e passiva o termo engendrado no exterior.
O uruguaio Arturo Ardao discordava dessa visão e defendia a outra perspectiva. Em artigo publicado em 1965 no semanário uruguaio Marcha, intitulado “A ideia de Latino-américa”, o autor demonstrava que o termo completo América Latina fora utilizado, pela primeira vez, pelo ensaísta colombiano José María Torres Caicedo, em um poema de 1857, chamado de “As duas Américas”. A finalidade clara dos versos era a da integração entre os vários países latino-americanos, buscando seu fortalecimento, como precaução para as possíveis futuras interferências norte-americanas na região.
A argentina Monica Quijada apresentou recentemente uma boa síntese dos debates sobre a questão da origem do termo. Refletindo sobre sua criação e a difusão, a historiadora critica a primeira interpretação (a autoria francesa) e endossa a segunda (a latino-americana). Afirma que “América Latina não é uma denominação imposta aos latino-americanos em função de interesses alheios, e sim um nome cunhado e adotado conscientemente por eles mesmos e a partir de suas próprias reivindicações”. A partir daí, foi se construindo uma identidade latino-americana em oposição aos anglo-americanos dos Estados Unidos.
Não se pode negar que tal denominação, no presente, é hegemônica, sendo adotada internacionalmente por historiadores, cientistas sociais e pela imprensa em geral. Assim, aqui também adotamos a noção de América Latina, cientes das implicações políticas de sua invenção e dos problemas que sua utilização pode gerar. Não propomos apresentar interpretações generalizantes para toda a região. No decorrer de nossas análises, enfatizaremos as especificidades nacionais conectadas a contextos latino-americanos mais amplos.
Antes de terminar esta brevíssima introdução, gostaríamos de sublinhar outras particularidades deste livro. Ele é o resultado de nossa longa experiência no âmbito do ensino e da pesquisa em História da América Latina. Igualmente, seguimos os protocolos próprios do ofício do historiador: leitura crítica das fontes, conhecimento sólido da bibliografia, emprego adequado de ferramentas teóricas. Para dar um exemplo, para nós, as trajetórias individuais de homens e mulheres só podem ser entendidas dentro dos limites articulados pelo contexto histórico mais amplo. Não estamos preocupadas com o simples julgamento das personagens (herói ou vilão), mas com a explicação dos múltiplos elementos que formam uma determinada conjuntura histórica na qual elas se encontram. Assim, acreditamos que a obra possa ser útil para estudantes e professores.
Esperamos poder transmitir neste livro um pouco do nosso fascínio pela História da América Latina. Acreditamos que ao conhecê-la o leitor terá novos horizontes para pensar as questões do presente e poderá entender as viscerais ligações históricas entre o Brasil e os demais países latino-americanos.
(Introdução do livro História da América Latina)