Revoltas bastante distintas foram as protagonizadas por elites regionais. O exemplo mais importante, por sua duração e dimensão, foi a Farroupilha, no Rio Grande do Sul, que eclodiu em 1835 e só terminou em 28 de fevereiro de 1845. Homens livres e pobres também dela participaram, mas a liderança era de parte da elite rio-grandense e, portanto, as reivindicações diziam respeito aos interesses dessa elite, composta por criadores de gado e produtores de charque.
Após a independência, a elite rio-grandense demandava maior autonomia para dispor dos recursos necessários para atender a seus interesses. Em um primeiro momento aderiu ao novo império brasileiro, mas insistia em reivindicações próprias que esbarravam na dependência de decisões do governo do Rio de Janeiro. Os rio-grandenses esperavam do governo central uma política mais intervencionista no Uruguai, de modo a defender os interesses dos grandes proprietários do Rio Grande do Sul que possuíam terras no país vizinho. De outro lado, exigiam uma política tributária que onerasse o charque uruguaio, que concorria com o rio-grandense no mercado brasileiro, e que, ao mesmo tempo, desonerasse o sal importado para a fabricação do charque.
A autonomia conquistada pelas províncias com a promulgação do Ato Adicional em 1834 não foi suficiente para impedir que no ano seguinte eclodisse a revolta no Rio Grande do Sul. Embora tenha se transformado em um movimento separatista, com o objetivo de tornar a província uma república independente, ela se iniciou como uma mobilização de parte da elite rio-grandense contra grupos internos rivais. O principal foco de disputa era justamente o controle da nova Assembleia Legislativa Provincial criada pelo Ato Adicional, em que os farroupilhas eram minoria. A primeira fase da revolta, iniciada em 20 de setembro de 1835, estava restrita ao objetivo de depor o presidente da província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga.
No manifesto que assina em 25 de setembro, cinco dias após a deflagração do movimento e já com Braga deposto, Bento Gonçalves, um dos mais importante líderes da Farroupilha, enumera as razões que levaram à revolta. Todas elas dizem respeito à atuação de Braga como presidente. Logo de início, Bento Gonçalves afirma que a deposição do presidente significava a conquista vitoriosa dos objetivos rebeldes:
Conheça o Brasil que o dia 20 de setembro de 1835 foi a consequência inevitável de uma má e odiosa administração; e que não tivemos outro objeto, e não nos propusemos a outro fim, que restaurar o império da lei, afastando de nós um administrador inepto e faccioso, sustentando o trono de nosso jovem monarca e a integridade do império.
Esse trecho explicita o compromisso dos rebeldes com a Constituição e com o imperador, portanto, com o império, e circunscreve claramente os objetivos da revolta à deposição de Braga.
Apenas um ano depois, em setembro de 1836, quando foi proclamada a república rio-grandense, a rebelião assumiu caráter separatista, como reação à opção do governo central de reprimir violentamente a revolta. Nesse segundo momento, a insatisfação com os tributos cobrados pelo governo central ocupou a agenda dos rebeldes. Foram dez anos de guerra e, ao final, venceram as tropas governistas, chefiadas por Caxias, com a derrota dos Farroupilhas.
A diferença entre revoltas da elite, de um lado, e revoltas de homens livres e pobres e de escravos, de outro, refletia-se também na forma como eram tratados os rebeldes, uma vez derrotados. Homens livres e pobres e escravos sofriam duras punições. Não foi o caso da elite rio-grandense que protagonizou a Farroupilha. A guerra terminou com a assinatura do Tratado de Poncho Verde, que fazia várias concessões aos rebeldes: o império assumia as dívidas do governo da República Rio-grandense, os oficiais rebeldes seriam incorporados ao exército imperial nos mesmos postos, exceto os generais, todos os prisioneiros de guerra seriam devolvidos à província. Além disso, no ano anterior, em 1844, em uma ampla reforma aduaneira aprovada no Parlamento, foi incluída a elevação do tributo cobrado pela entrada do charque no Brasil.
EM TEMPO:
Assista ao vídeo do canal Buenas Ideias sobre a Revolução Farroupilha:
(Caso o vídeo não apareça, veja diretamente no Youtube)
Miriam Dolhnikoff é professora do departamento de História da FFLCH-USP e pesquisadora do Cebrap. É mestre e doutora em História Econômica pela USP. Ensina e pesquisa o Brasil Império. Atualmente estuda o governo representativo, sob a forma de monarquia constitucional, no Brasil, com foco no debate político em torno das eleições. É autora do livro “História do Brasil Império“.
Fonte: DOLHNIKOFF, Miriam. “Rebelião da Elite”. História do Brasil Império. Editora Contexto.
Imagem de capa: Guilherme Litran: Carga de Cavalaria Farroupilha, óleo sobre tela, 1893 acervo do Museu Júlio de Castilhos.