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Guerra na mesa: 3 receitas recomendadas pelo governo americano na Primeira Guerra Mundial

Por Bruno Leal

Durante a Primeira Guerra Mundial, campanhas governamentais incentivaram a população a racionar alimentos, plantar hortas e otimizar recursos na cozinha, promovendo a ideia de que isso contribuiria para a vitória.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o comércio internacional ficou seriamente comprometido. A guerra submarina irrestrita dos alemães, somada ao bloqueio britânico, fez com que exportações e importações se tornassem muito mais difíceis. Isso causou um desabastecimento generalizado em parte da Europa. O rigoroso inverno alemão de 1916-1917, por exemplo, destruiu a colheita de batatas e a população teve que se virar apenas com nabo importado da Suécia. Sopa de nabo, almoço de nabo, sobremesa de nabo. Nabo o dia todos na mesa dos alemães.

Guerra na mesa: 3 receitas recomendadas pelo governo americano na Primeira Guerra Mundial

Por causa desses problemas, o governo precisou interferir bastante na frente doméstica, criando leis de racionamento, abrindo novos ministérios, aumentando o policiamento contra o mercado paralelo e criando comitês para coibir os aproveitadores e golpistas. Todas essas iniciativas foram tomaras para que as pessoas sentissem o menos possível o efeito da escassez, e também para combater a inflação galopante que corroía o poder de compra.

No Reino Unido, a propaganda teve um papel muito importante na regulação da dieta britânica. Diversas autarquias federais investiram pesado em campanhas de conscientização para os civis. Através de cartazes, folhetos, revistas e outros materiais impressos, distribuídos pública e massivamente, o governo recomendou comer menos carne, beber menos leite, usar menos açúcar. Esses materiais também orientavam os seus cidadãos para a necessidade patriótica de adotar novos hábitos.

Talvez, a melhor síntese desse esforço social britânico na Primeira Guerra Mundial em prol da alimentação e do racionamento seja um cartaz do The Scottish War Savins Committee, de Edimburgo, na Escócia, que colocou a frase icônica – que seria repetida anos depois, na Segunda Guerra Mundial – Victory is in the Kitchen em um cartaz até hoje muito reproduzido.

A ideia de que a cozinha era o lugar onde se produziria a vitória na guerra foi popularizada por campanhas do governo e organizações assistencialistas, visando incentivar a população a racionar alimentos, plantar hortas e utilizar de forma mais eficiente os recursos alimentares disponíveis, de modo a apoiar o esforço de guerra. A frase dava um sentido de patriotismo e dever cívico a tarefas cotidianas como cozinhar e comer.

Receitas da Primeira Guerra Mundial

Nos Estados Unidos, houve esforço semelhante para “educar” a população quanto aos hábitos alimentares em tempos de guerra. Boa parte da carne vermelha na época era separada para alimentar os soldados americanos nas frentes de batalha e populações de países ocupados que recebiam ajuda humanitária, como a Bélgica, então ocupada pelos alemães. Por isso, as autoridades começaram a recomendar a troca da carne pelo peixe.

Um folheto produzido em 1918 pelo United States Food Adminstration conjuntamente com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, explicava: “Para produzir carne, é necessário alimentar o gado, as ovelhas e os porcos, usando milho ou outros grãos. Os mares, lagos e rios oferecem abundância de peixes que não servem de alimento para os humanos. Assim, ao consumir peixe, você economiza carne e grãos, os quais o governo pede que você conserve.”

O texto tenta convencer o cidadão americano de que ele não perde nada fazendo essa troca, e que isso ajuda o esforço de guerra. O peixe, segundo o panfleto, não fica atrás da carne vermelha no quesito nutritivo, tendo tantas proteínas quanto. “Experimente novas variedades. Há muitos peixes quase desconhecidos por nós que estariam disponíveis se houvesse demanda por eles. O peixe-sabre da costa do Pacífico e o peixe-gato do Atlântico são variedades que as pessoas estão começando a consumir”.

Se houvesse dificuldade em encontrar peixe fresco na região, dizia o folheto, a orientação é a de que as famílias, num “esforço comunitário”, convencessem os mercados locais a oferecer o pescado. “Use peixe fresco, seco, defumado, salgado ou enlatado — o que for mais conveniente”.

Adaptações

As receitas deste panfleto nos ajudam a entender como os governos, na frente doméstica, tiveram que pensar em soluções criativas para enfrentar tantas faltas, e isso tudo sem perder o apoio da população. De quebra, são receitas que podem ser feitas ainda hoje. De certa forma, prepará-las é uma forma de sentir algo que os civis da época da Primeira Guerra Mundial sentiram.

Se quiser seguir à risca as receitas, só tenha em mente que alguns ingredientes talvez precisem ser adaptados. É o caso do pão vitória da primeira receita. O Victory Bread foi um tipo de pão produzido durante a Primeira Guerra Mundial, especialmente em países como o Reino Unido, os Estados Unidos e o Canadá. Ele surgiu como parte dos esforços de racionamento de alimentos e de apoio à guerra, quando os governos incentivaram a redução do consumo de trigo refinado para economizar recursos e garantir o abastecimento para as tropas.

Esse pão era geralmente feito com uma mistura de farinhas alternativas, como farinha de centeio, cevada, aveia ou batata, pois o trigo-branco era reservado para os soldados. No Reino Unido, uma versão similar chamada National Loaf foi promovida durante a Segunda Guerra, feita com farinha de trigo integral e sem açúcar, resultando em um pão mais escuro e denso do que o pão branco tradicional.

Você pode ter também dúvidas quanto a um ingrediente da segunda: o Hominy fino. Ele pode se referir a um tipo de fubá ou sêmola de milho finamente moída, muitas vezes usado para fazer mingaus, polentas ou pães. “Hominy” é o nome em inglês para o milho descascado e tratado com um processo chamado nixtamalização (geralmente com cal ou cinzas), que melhora seu valor nutricional e sabor. Quando moído, ele pode resultar em diferentes texturas, desde grãos grossos até uma farinha bem fina.

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. Guerra na mesa: 3 receitas recomendadas pelo governo americano na Primeira Guerra Mundial (artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/3-receitas-da-primeira-guerra-mundial/. Publicado em: 8 set. 2025. ISSN: 2674-5917.


Bruno Leal Historiador e professor de História Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e fundador do portal de divulgação científica Café História. Pela Contexto, é coautor dos livros Possibilidades de pesquisa em História e Novos combates pela História e As várias faces da Independência do Brasil.

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