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A forma pura da pedra | Luiz Felipe Pondé

Os ensaios e os fragmentos que aqui ofereço ao leitor são, no seu corpo, cenas de uma filosofia do afeto. O afeto que pensa o cotidiano. Na sua alma, estes ensaios são um tratado – aos pedaços, assim como eu – contra um mundo que mente sobre si mesmo. Dizia pedaços porque a descontinuidade descreve melhor uma filosofia do afeto, que se move a sobressaltos, e também porque o cotidiano é descontínuo. Sinto-me em casa numa filosofia que tem uma razão cética e uma sensibilidade trágica. Muita gente me perguntará ao ler estes ensaios: “afinal, por que sou contra um mundo melhor? E por que o ceticismo e a tragédia seriam a minha casa?”. A resposta a essas questões – por que sou contra um mundo melhor e por que o ceticismo e a tragédia são minha casa – se encontra nestes ensaios e fragmentos, de modo impreciso e incerto, e aos pedaços, como dizia anteriormente. Ao longo dos ensaios e dos fragmentos, o leitor perceberá que sou contra um mundo melhor, que sou cético e que carrego uma sensibilidade trágica, independentemente de minha vontade filosófica. E por quê? Porque o que nos humaniza é o fracasso, homens e mulheres muito felizes não são homens e mulheres. Tenho medo de pessoas muito felizes. A consciência trágica, seja ela cósmica, seja miserável, miúda e cotidiana, determina o horizonte onde se move o humano. Dedico essas palavras a todos os nossos fracassos, e com esses olhos atentos ao medo que porta seu nome próprio é que o leitor deve ler estes ensaios e fragmentos aos pedaços. Os ensaios se movem em dois níveis, mas em velocidade, assim como numa montanha-russa. Um mais superficial, rápido, no qual descrevo imagens, pressinto dramas, fotografo pensamentos na sua nascente. Noutro, mais profundo, em que mergulho na filosofia, indicando meu trajeto filosófico, apontando minha filiação, descortinando quem fotografa os pensamentos superficiais e sem peso que preenchem meu imaginário cotidiano. A passagem de um nível geográfico do pensamento para o outro se dá de forma abrupta, violenta, sem mediações nem concessões às dificuldades do leitor. Minha intenção ao fazer uso dessa indiferença metodológica para com as dificuldades do leitor é testar seu fôlego. É necessária certa agilidade para acompanhar as passagens entre os dois níveis. Frases curtas (com o objetivo confesso de nunca dizer tudo que penso, nem tudo que sei sobre o assunto), falo aos homens e às mulheres do mundo contemporâneo, sem tempo, sempre com pressa e sem tempo; com pressa e fazendo contas; falando ao celular, enquanto fazem contas; correndo, assim como insetos assustados que correm como crianças com medo, em busca do repouso oferecido pela sombra e pelo esquecimento. E no futuro, sonhando com a vida silenciosa na forma pura da pedra. Uma pedra que pressente a divindade.


Luiz Felipe Pondé é filósofo graduado pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado pela mesma instituição e pela Université de Paris VIII, além de doutorado também pela USP. É vice-diretor e coordenador de curso da Faculdade de Comunicação e Marketing da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). É autor de diversas obras, colunista do jornal Folha de S.Paulo e comentarista da TV Cultura.