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Fascismo

“Fascista” é um termo que adquiriu um novo significado na atualidade, passando a ser sinônimo de autoritarismo, de oposição a certas pautas ou mesmo um tipo de comportamento. Em certo sentido, o mesmo foi feito com o termo “comunista”, o qual passou a designar tudo o que desagrada a determinados grupos conservadores, desde a defesa do meio ambiente até a crítica à desigualdade social. Esses termos, ao final, deixam de ser conceitos, que servem para designar ideologias e práticas políticas delimitadas, para se tornarem adjetivos, cujo objetivo é basicamente encerrar qualquer discussão e atacar o adversário. Assim, passam a significar tudo e, ao mesmo tempo, nada.

Fascismo, no entanto, é algo específico e que pode ser delimitado com clareza, apesar de sua ampla heterogeneidade. Trata-se de um movimento ou regime anticomunista, antissocialista e antidemocrático que, a partir de um diagnóstico de crise nacional profunda, propõe medidas para a sua reversão, eliminando o liberalismo e a esquerda política, e implantando uma nova ordem. Com o fascismo no poder, surgiria um Estado orgânico e hierárquico, com base em uma liderança carismática e em um partido único, o qual serviria para mobilizar as pessoas, normalmente através da bandeira do ódio, em defesa dessa nova ordem. O fascismo não é conservador nem reacionário e tem uma perspectiva totalitária da sociedade, mas está integrado dentro do campo da direita política, tanto que, no decorrer da sua trajetória, esteve permanentemente em aliança, mas também em competição, com outros membros dessa família.

Fascismo

Este livro tem o objetivo de sair de generalizações e ampliar o definido brevemente no parágrafo anterior, delimitando com precisão o que foi o fascismo e, ao mesmo tempo, o que não ele não é. Compreende o fascismo como fenômeno histórico, nas suas origens, desdobramentos e heranças, focando claramente sua realidade vivida. Em outras palavras, o livro esclarece o que o fascismo pretendia e se dizia ser, mas, principalmente, o que ele foi no mundo real. Até por isso, a obra se centra no período do fascismo clássico, quando ele esteve no poder, sozinho ou em associação com outras forças, ou pareceu ser uma alternativa política real, especialmente na Europa e nas Américas.

A produção histórica a respeito do tema é imensa, escrita em dezenas de idiomas e disponível em inúmeros países. É impossível para um único historiador ler tudo o que já foi produzido e tentar escrever uma História do fascismo que dê conta de todos os aspectos, detalhes e questões. Minha intenção é apresentar ao leitor um quadro geral, um livro que sirva de base para que ele possa, no futuro, avançar nos seus estudos dentro de uma produção histórica absolutamente descomunal.

Dessa forma, o livro é uma introdução, sem a pretensão de incluir tudo ou discutir todas as facetas e todas as repercussões do fascismo nas sociedades em que esteve presente. Mesmo sendo uma introdução geral, contudo, precisa de questões centrais que o façam ter sentido. Uma delas é delimitar com clareza o que é o fascismo e mostrar em que difere de outros movimentos e grupos da direita, especialmente os conservadores e os reacionários. Tal diferença é explorada para explicar as razões de o fascismo adquirir relevância, e mesmo atingir o poder, em certos locais e não em outros.

Outra questão fundamental que o livro explora é identificar os pontos nevrálgicos da ideologia fascista, aquilo que todos os fascistas, em maior ou menor grau, defendiam e, ao mesmo tempo, os pontos de divergência. O fascismo, realmente, caracterizou-se por ter uma ideologia definida, alguns pontos básicos que permitiam, já nos anos 1920 e 1930, identificar os fascistas frente a outros grupos. Ao mesmo tempo, todos bebiam em tradições nacionais específicas e podiam divergir em alguns pontos-chave, levando a conflitos e disputas entre eles. Explorar o geral e o específico será algo contínuo neste livro.

Distinguir entre ideologia e prática também é uma questão importante, que leva a identificar não só o que os fascistas queriam e como eles se propunham a mudar a sociedade, mas, sobretudo, a entender como isso se deu na prática, na realidade e nas conjunturas específicas de cada país e de cada época.

Uma novidade deste livro é que ele não se restringe aos casos italiano e alemão, nem mesmo à Europa. Claro que esses dois países são examinados com cuidado, até porque foram os dois locais onde o fascismo se transformou em regime e teve a possibilidade real de mudar a sociedade, mas é limitado reduzir a experiência fascista apenas aos países nos quais ele assumiu o poder. Dessa forma, o livro apresenta o fascismo também nos outros países da Europa, incluindo os locais onde ele teve grande relevância, aqueles em que fez parte do Estado em posição mais ou menos subordinada e aqueles nos quais não saiu de um estado embrionário. O fascismo foi também um fenômeno que se espalhou para além das fronteiras europeias, com destaque para a América Latina. Nesse continente, aliás, tivemos a experiência do integralismo no Brasil, o maior movimento fascista fora da Europa. Observar o fascismo dentro do continente latino-americano, assim como na América do Norte e em outras partes do mundo, permite compreender o seu alcance global, bem como os seus limites.

Para dar conta dessas questões, o livro se organiza em cinco capítulos. Nos dois primeiros, são apresentados os casos da Itália fascista e da Alemanha nazista. Como, nesses casos, os fascismos efetivamente comandaram o Estado e a sociedade por muitos anos e tiveram oportunidade de imprimir a sua marca, o seu estudo não se restringe ao aspecto político. Aborda também o impacto desses movimentos no plano social, na cultura e na vida das pessoas, o que inclui o sistema repressivo, a propaganda e o cotidiano.

Nos dois capítulos seguintes, passamos ao fascismo na Europa e no resto do mundo. Neles, a multiplicidade dos fascismos inclui casos de sucesso e de fracasso, de modelos híbridos com as forças conservadoras, de idas e vindas em termos ideológicos e políticos. Certos casos europeus são destacados pela sua complexidade, como o da França, o de Portugal e, acima de tudo, o da Espanha. Já fora da Europa, o destaque fica com a América Latina e, especialmente, com o Brasil.

Fascismo

Um estudo mais amplo da ideologia e da prática política fascista é feito no capítulo 5. Se os capítulos anteriores se preocupam em mostrar a diversidade e a multiplicidade de casos, as perspectivas, os objetivos e os resultados, esse capítulo caminha na direção contrária, tentando apreender os pontos comuns e aquilo que diferenciava o fascismo como um todo das outras manifestações da direita radical e dentro da família mais ampla da direita.

Após essa caminhada, esperamos que o leitor seja capaz de identificar o que foi o fascismo, podendo, assim, posicionar-se com clareza frente a um fenômeno que marcou a história do século XX, levando a imensas tragédias humanas, e cujas heranças e desdobramentos ainda afetam o século XXI. Em nome do fascismo, muitos mataram e morreram, países foram destruídos e populações foram exterminadas. Mesmo assim, até hoje propostas fascistas têm apelo, pelo que é fundamental compreendê-las para poder refutá-las. Essa é a razão de ser deste livro.


João Fábio Bertonha é professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e pesquisador do CNPq. Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e livre-docente em História pela Universidade de São Paulo (USP). Autor de vários livros e artigos, publicou, pela Editora Contexto, Itália: presente e futuro, Os italianos, Patton, Os canadenses, Imperialismo e Fascismo além de ser coautor do Dicionário de datas da História do Brasil. 

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