Alguns alemães se divertem contando este chiste: “Qual é o livro mais curto do mundo? Quatro mil anos de humor alemão”. A piada não terá graça para todo mundo, mas coloca bem a questão das representações estereotipadas, dos julgamentos prontos, pré-moldados. Da mesma maneira, uma expressão como “amargar uma derrota”* é percebida como uma fórmula fixa, batida, um automatismo de linguagem que se transforma em zombaria. O Dictionnaire des Idées Reçues** registra assim: “DERROTA amargada: e é de tal modo completa, que ninguém ficou para dar a notícia.”
Na linguagem corrente, falamos a respeito de clichês ou estereótipos, de lugares-comuns ou ideias preconcebidas, e em francês também se usa, ainda hoje, mesmo que de forma menos frequente, a palavra poncif.* A linha divisória entre estes termos e noções não é clara, mas a impressão geral é negativa. Há aproximadamente um século, o desenvolvimento da imprensa e depois as diferentes formas de mídia, junto com o advento das sociedades democráticas modernas, criaram uma obsessão pela estereotipia. Denuncia-se o pensar pronto, o já dito. E, como os estereótipos e os clichês remetem à questão da opinião e da expressão individual, eles acabaram se transformando em temas de reflexão dos diferentes campos das ciências humanas. São noções que foram teorizadas e trabalhadas pelas ciências sociais, pelas ciências da linguagem e pelos estudos literários. Contudo, cada uma das disciplinas mostrou uma tendência a trabalhar de maneira autônoma, não estabelecendo relação com os demais campos do saber em que o estereótipo era abordado.
Por que, então, a questão das evidências compartilhadas, das representações coletivas, dos automatismos de linguagem se encontra no centro das reflexões contemporâneas? Em que medida as diferentes perspectivas podem convergir? Para responder de forma mais clara a essas perguntas, propomos uma abordagem fundada na história das noções e no percurso das disciplinas que teorizaram sobre os fenômenos da estereotipia nos séculos XX e XXI.
O primeiro capítulo é consagrado à emergência de palavras e de noções e à sua evolução semântica na linguagem cotidiana. Serão examinadas expressões como “clichê”, “poncif ”, “lugares-comuns”, “ideias preconcebidas”, “estereótipo”. Veremos como vão se estabelecendo novas relações entre esses diferentes termos, que, na linguagem cotidiana, são tomados, muitas vezes, como sinônimos. Os demais capítulos propõem um percurso seletivo pelas ciências humanas que construíram a estereotipia como objeto teórico. Nosso propósito não é fazer uma síntese que defina uma essência do clichê e do estereótipo. Tampouco buscamos uma interdisciplinaridade que separe de cada domínio do pensamento, de maneira eclética, aquilo que cada um teria de melhor para contribuir. Ao contrário, tratamos de salientar a maneira como cada disciplina constrói seu objeto, em função de sua lógica própria e de seus interesses. O leitor poderá, assim, aproximar-se da questão do estereótipo tal como ele é tratado em cada disciplina. No entanto, uma leitura transversal dos capítulos permitirá também confrontar os enfoques.
O segundo capítulo se ocupa das ciências sociais, que fizeram emergir o estereótipo como representação coletiva cristalizada, transformando-o em um objeto de estudo empírico. Essa noção contribuiu para a análise das relações entre os grupos sociais e seus membros individuais. Em sua vertente negativa, entra em questão a reflexão sobre o preconceito; em sua vertente positiva, relaciona-se com a construção da identidade e da cognição social.
O terceiro capítulo é consagrado aos estudos literários, que analisam os fenômenos da estereotipia de um ponto de vista estético e ideológico. A estilística e a poética se interessam pelo clichê como efeito de estilo ou como procedimento de construção do texto. Nas correntes críticas atentas à dimensão social do texto literário e à questão dos imaginários sociais, são privilegiadas a doxa, o estereótipo como esquema coletivo e as ideias preconcebidas. O estereótipo intervém ainda na reflexão sobre a leitura literária e contribui para uma nova didática da leitura. Se de início os fenômenos da estereotipia eram considerados indicadores de trivialidade, passam a ser cada vez mais estudados em sua função construtiva e em sua produtividade.
O quarto capítulo revisita as diferentes noções (locuções cristalizadas, estereótipos, protótipos, lugares-comuns ou topoi, língua de madeira*) que intervêm tanto no estudo da língua quanto na análise do discurso.
O estudo da língua inclui preocupações das mais diversas, que vão da morfossintaxe lexical (a questão das locuções cristalizadas) à semântica. A análise do discurso compreende um estudo da argumentação como arte de persuadir, no âmbito de uma abordagem do discurso histórico, político e jornalístico. Acrescenta-se aí uma breve apresentação dos trabalhos recentemente desenvolvidos em história cultural.
O estereótipo aparece, então, como um objeto transversal da reflexão contemporânea nas ciências humanas e nem sempre é considerado em seu aspecto negativo. Ele atravessa a questão da opinião e do senso comum, da relação com o outro e da categorização. Ele permite estudar as interações sociais, a relação dos discursos com os imaginários sociais e, mais amplamente, a relação entre linguagem e sociedade.
Esta reflexão sobre a estereotipia discursiva convida a explorar outros campos que não abordamos aqui, especialmente tudo o que diz respeito à imagem: a fotografia, o cinema, a televisão e a imagem publicitária.
Ruth Amossy é professora emérita da Universidade de Tel Aviv, diretora do Grupo de Pesquisa em Análise do Discurso, Argumentação e Retórica, ligado à mesma universidade, além de editora da revista digital Argumentation et Analyse du Discours. Pela Contexto, publicou, como organizadora, Imagens de si no discurso e, como autora, Apologia da polêmica, A Argumentação no Discurso e Estereótipos e clichês.
Anne Herschberg Pierrot é professora emérita da Universidade de Paris 8. Publicou diversas obras sobre a questão dos clichês, estereótipos e ideias preconcebidas.