Eram 14 horas de uma segunda-feira. Entusiasmado, Otacílio, um magro homem pobre que sobrevivia como lavador de veículos, depositava o valor equivalente a dois salários mínimos na sua conta bancária. Com o dinheiro, pretendia comprar alguns livros e outros materiais escolares básicos para a única filha, Juliana, de quinze anos e algumas espinhas insistentes no rosto fino e claro.
Mas o que aconteceu não foi bem assim. Quando saía do banco, Otacílio foi confundido com um assaltante procurado pela Polícia. A confusão que não pôde esclarecer a tempo lhe custou certa intimidade com o cenário policial, numa pequena e indesejada área chamada “Detenção”.
Num rápido intervalo, Otacílio conseguiu falar com Dr. Valdir, um antigo cliente. Era um inverno rigoroso quando o advogado dirigiu-se ao fórum. Sua motivação era o sentimento de compaixão por esse trabalhador, a quem pretendia oferecer justiça. Isso porque, injustamente, aquele senhor seria julgado, acusado por um desafeto de roubar um dinheiro que, na verdade, recebera com atraso de um antigo patrão.
O advogado chegou ao fórum. Mas depois de estacionar o carro, foi abordado por dois homens encapuzados que o obrigaram a entregar-lhes a chave do veículo. Dr. Valdir foi levado para um bairro distante, no final da periferia da cidade e depositado num cativeiro. Alguém estaria por trás daquele sequestro, que ninguém sabia se era relâmpago? Nesse caso, quem seria o mandante? Que propósito ele teria? Algumas perguntas têm o péssimo hábito de permanecer em pé, sem prazo de validade.
Veio a noite e Dr. Valdir não chegou em casa, onde era esperado para o jantar. E Otacílio estava preso, sem saber por quê. A família do jurista o procurou por lugares rotineiros e outros nem tanto. Nada. Veio o desespero. A família de Otacílio igualmente o procurou por lugares rotineiros e outros nem tanto. Naquele horário, o fórum já estava fechado. A noite era escura, agora mais escurecida pelos acontecimentos obscuros. E aquela escuridão ameaçava esconder qualquer esperança de encontrá-los com vida.
Chegou o novo dia. As buscas por Otacílio recomeçaram: hospital, delegacia… Delegacia. Ele estava lá, meio esquecido numa cela fria. As buscas por Dr. Valdir recomeçaram: hospital, delegacia… Nada.
Três horas se passaram até que uma ligação, sinistra e anônima, vinda de lugar nenhum, quebrou o silêncio. Do outro lado da linha, com voz confusa, quase ininteligível, alguém pronunciou a palavra “resgate” acompanhada de alguns cifrões. O valor era equivalente a doze salários mínimos. No mínimo.
A polícia foi prontamente acionada. Dr. Valdir corria risco de morte, é o que se deduzia pelo desprezo à vida demonstrado pelos sequestradores e pelo desejo insano de ganhar dinheiro, algum dinheiro, não importava quanto, nem como. Por muito pouco, eles cometeriam um assassinato, mais um para a rotina de extorquir por meio do risco de derramamento de sangue.
Dr. Valdir foi solto. Estava livre do cativeiro. Podia retomar a vida.
Retomou. Seu primeiro ato em liberdade foi nada menos que ir ao fórum em busca de informações sobre o paradeiro de seu cliente, Otacílio. Com alguma dificuldade, descobriu que ele estava preso. Depois de visitá-lo, o advogado entrou com um habeas corpus que devolveria a liberdade de Otacílio e dos sonhos que ele trazia, sobretudo em relação à filha. Dr. Valdir sabia, sabia de experimentar na pele, há muito pouco tempo, o que era ter a vida ameaçada por coisa nenhuma.
Finalmente, Otacílio conquistou a liberdade que perdeu injustamente. No dia seguinte, compraria livros e cadernos para a filha cheia de adolescência. Era preciso estudar – sua menina desejava entrar para o curso de Direito. Queria ser advogada, promotora depois, finalmente juíza, quem sabe, desembargadora.
Era justo. Era a Justiça florescendo. Valdir assumiu o papel de mentor de Juliana. Também isso era justo.
Rubens Marchioni é Youtuber, palestrante, produtor de conteúdo e escritor. Autor dos livros Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected]. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao