Oito de outubro de 2023 deveria ter sido um dia de uma clareza moral resplandecente para a humanidade. Algo terrível tinha acontecido 24 horas antes. Algo quase impensável. Algo que parecia pertencer ao século passado, ao século da guerra e do extermínio, que invadiu o nosso século. Ódios atávicos saltaram das páginas dos livros de História. Uma orgia de matanças que até então só tínhamos visto em fotos em branco e preto e filmes de Hollywood tomou forma concreta. O passado invadiu o presente. O pogrom voltou.
O Hamas e outros grupos islâmicos invadiram Israel para assassinar judeus. Eles se moveram com movimentos perfeitos ao longo dos kibutzim e dos desertos do sul de Israel. Ninguém foi poupado. Nem crianças, nem mulheres, nem velhos. Foguetes foram lançados em carros em movimento. Granadas foram jogadas em abrigos antibomba nos quais famílias se protegiam. Um festival de música virou uma área de matança. Uma festa alegre que reunia jovens, sob a magia de música eletrônica, tornou-se um local de estupro e assassinato – 364 foram mortos ali.

Os números são terríveis. Mais de 1.100 pessoas foram mortas no total, 796 eram civis. 250 foram levadas como reféns. Gêmeos de 3 anos de idade e uma avó de 85 estavam entre os reféns. O número de mortos, por mais que arrepie a alma, não consegue capturar o horror completo que foi aquele dia. O sadismo da violência e a felicidade em consumá-la teriam que ter despertado a consciência do mundo. Eles filmaram sua barbárie e compartilham os atos na internet. Ficaram orgulhosos desse banho de sangue. Um desses “progromistas”* ligou para casa para contar aos pais com orgulho quantos judeus tinha matado.
Eles arrastaram os reféns feridos, que sangravam, de volta para Gaza e os exibiram como em um desfile pelas ruas. O corpo mutilado de uma jovem que estava se divertindo horas antes foi violado, cuspido e atacado com pauladas. Pareciam as aniquilações do passado. Uma violência que achávamos que não era mais possível, o pogrom que achávamos que era coisa de museu, marcou brutalmente nosso condescendente século. O Hamas cumpriu a promessa do seu pacto de fundação, que é matar os judeus.
Isso foi mais do que terrorismo. Foi mais do que assassinato em massa. Foi um total “descarrilamento da civilização”, de acordo com a escritora alemã Herta Müller. Israel ficou sujeito à selvageria. A mesma sobre a qual o Estado foi construído para resistir. O Estado para o qual os judeus fugiram para escapar dos pogroms foi agora cercado por um pogrom. Parecia a mais grave das violações, a violação do lugar sagrado dos judeus e do pacto que a humanidade fez depois das consequências da última Grande Guerra: Nunca Mais.
E, mesmo assim, essa clareza moral nunca apareceu. Israel esperou em vão que os ocidentais jovens e letrados se manifestassem a seu favor. Poucos aqui pareciam compreender a enormidade do que tinha acontecido, o desafio não somente para o Estado judaico, mas para a humanidade como um todo. O Hamas não testou somente a segurança territorial de Israel, mas também a consciência moral da humanidade. Lançou um desafio juntamente com suas granadas. Ele desafiou-nos a confrontar a nossa civilização com sua barbárie. Desafiou-nos a nos posicionar de forma determinante contra isso. E nós falhamos.
Esse momento tenebroso exigiu uma lucidez de pensamento moral. E essa lucidez, de forma alarmante, não aconteceu. A mobilização do espírito humano contra os pogromistas não se materializou. A consciência do mundo ficou dormente. Em vez disso, as pessoas falaram sobre “contexto”, como se precisasse haver contexto para assassinatos fascistas. As pessoas disseram que a culpa era de Israel, pois tratava mal os palestinos, como se um pogrom fosse uma resposta legítima para uma acusação. A crueldade foi justiçada.
Pior ainda, as pessoas celebraram. Imediatamente depois da carnificina, o povo tomou as ruas de Londres, Berlim, Sydney – não para prestar solidariedade aos judeus, mas para louvar os assassinos. “Fodam-se os judeus”, foi dito em Sydney. “Eu apoio 100% o ataque”, disse um manifestante em Londres. “Longa vida ao 7 de Outubro”, estava em um cartaz em Nova York. O apoio ao Hamas explodiu nos campi universitários, a admiração pelo terror foi vociferada nas nossas ruas. Houve uma tomada de consciência absolutamente assustadora: muitos assumiram a causa não dos judeus, mas de seus agressores.

O 7 de Outubro foi essencialmente um dia de horror e tristeza para os israelenses. Foi o pior ataque ao Estado de Israel em 76 anos de existência. Mas foi também um teste moral. Foi um teste moral para o mundo. Muitos livros serão escritos sobre a Guerra Israel-Hamas e sobre o futuro de Israel pós-7 de Outubro. Porém, é do motivo de termos falhado nesse teste moral que este livro trata, e também sobre o que podemos fazer para garantir que nunca mais falhemos novamente.
Brendan O’Neill é o editor-chefe de política da revista Spiked, sedeada em Londres, e foi editor da revista por quase 15 anos, de 2007 até 2021. Brendan apresenta um podcast semanal, The Brendan O’Neill Show. Seus textos já foram publicados em: Spectator, The Sun, Daily Mail e The Australian. Tem outros livros publicados: O manifesto herege, A Duty to offend e Anti-Woke (estes últimos sem tradução para o português).