Em 2017, eu completo 30 anos em São Paulo e a Contexto completa 30 anos de atividades.
Remeter minha memória a 1987 implica pensar no meu primeiro momento em São Paulo e o início do doutorado na USP. Eu fazia os primeiros créditos da pós-graduação da FFLCH. Descobria o mundo em São Paulo e vivia as aventuras intelectuais com as aulas dos professores Nicolau Sevcenko, Laura de Mello e Souza, Hilário Franco Jr., Francisco Murari Pires e as sempre estimulantes reuniões e aulas com minha orientadora, Janice Theodoro. Essas minhas ordenadas.
Em pouco tempo eu encontraria uma abscissa. O professor Jaime Pinsky era titular de História Antiga e Medieval da Unicamp. Deixava a carreira docente como titular na universidade que eu viria a ingressar depois. Erudito e escritor, decidira criar a Editora Contexto após os anos dedicados à pesquisa de História Antiga, Medieval e sionismo. Solicitou a colegas universitários que coordenassem coleções com jovens pesquisadores.
Eu fazia um seminário sobre milenarismo medieval com o professor Hilário. Arriscava-me a traduzir a peça Ludus de Antichristo para o seminário. Ele me pediu um volume paradidático sobre história colonial dos Estados Unidos. Eu era um jovem pesquisador de América Hispânica e tinha acabado de voltar de uma temporada de pesquisas no México. Por coincidência, comprara lá uma coleção de muitos volumes com documentos coloniais: Annals of America. A curiosidade bibliográfica virara gesto profético.
Quando se é jovem, apresentamos mais entusiasmo do que juízo. Escrever um livro paradidático sobre um tema que fugia ao imediato da minha pesquisa? Hoje eu diria não. Naquela ocasião disse um sim entusiasmado. Encontrei-me com o professor Jaime Pinsky no Alto de Pinheiros, onde ele morava. Começava uma longa e fértil relação entre a jovem Contexto e minha vontade de publicar e aparecer no mundo.
O resultado do encontro foi um pequeno texto chamado Estados Unidos: a formação da nação. Eu era professor de ensino médio e de alguns cursos superiores privados em São Paulo. Escrevi para a sala de aula, trazendo conteúdos que meus colegas conheciam, como o “comércio triangular”, mas entrava em veredas novas. A grande novidade do livro era o ataque frontal à ideia dominante de colônias de povoamento e de exploração, que separava o Novo Mundo em áreas para as quais teriam ido pessoas muito sofisticadas intelectualmente e com intensa energia de trabalho (como a Nova Inglaterra) e outras que teriam recebido o restante da Europa, exploradores sem jeito e agressivos parasitas de moral duvidosa. Essas áreas seriam Brasil e México, por exemplo. A teoria tinha buracos enormes diante da pesquisa empírica, mas fazia sucesso em livros didáticos e como esquema mental para explicar as diferenças entre os EUA ricos e a América Latina pobre.
O pequeno texto conheceu relativo sucesso e, posteriormente, com modificações, foi incorporado como a primeira parte de uma obra maior, História dos Estados Unidos, em coautoria com Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, Marcus Vinicius de Morais e Sean Purdy. O pedido do professor Pinsky atraiu-me para o campo da História dos EUA. No futuro eu seria muito mais lembrado por essas obras sobre as 13 colônias do que pelo trabalho com a História do México.
A relação com a Contexto resultou em participação em capítulos de obras como As religiões que o mundo esqueceu ou organização de volumes como História na sala de aula. Também fiz uma associação autoral com minha irmã, Rose Karnal, e fizemos Conversas com um jovem professor, livro muito autoral e com uma análise do que vem a ser o desafio pessoal e pedagógico para ensinar.
Em 2017, eu completo 30 anos em São Paulo e a Contexto completa 30 anos de atividades. A editora nasceu de um sonho ousado, em plena crise econômica, e, sob a ação do professor Pinsky, cresceu e marcou espaço no cenário brasileiro. Para a maioria dos intelectuais, a aposentadoria é um longo período de artigos esporádicos e algumas obras esparsas. Para o professor Jaime, foi uma injeção redobrada de vigor e atividades que abriram caminho para muitos autores, eu inclusive.
Nos 30 anos da minha vida em São Paulo, a maior parte da minha biografia por sinal, experimentei fases distintas e conheci meus dias de ventos fortes, desafios e frustrações. Ter aceitado o convite há tanto tempo foi uma das boas decisões que tomei na juventude. Ingressei na Unicamp do professor Pinsky uns anos depois do primeiro livro. Cresci como professor, autor, palestrante e comentarista. Experimentei períodos fora do Brasil e muita coisa mudou. Houve uma explosão midiática em tempos mais recentes. Hoje, inúmeras editoras desejam que eu produza obras e tenho tentado atender à demanda, na medida do meu tempo escasso. Porém, este texto foi escrito com a boa memória e a sólida gratidão à editora que acreditou em mim quando nada disso existia.
Que a Contexto continue descobrindo jovens autores e produzindo ondas no lago cultural do país. Ao professor Pinsky, ao professor Hilário Franco Jr. e à minha orientadora Janice Theodoro, o meu sincero e profundo muito obrigado.
Leandro Karnal é professor, historiador, graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e doutor pela Universidade de São Paulo (USP). Leciona há 30 anos, tendo passado por ensino fundamental, médio, escolas públicas e privadas, cursinhos pré-vestibulares, universidades variadas e hoje leciona na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Trabalha há muitos anos com capacitações para professores da rede pública e publicação de material didático e de apoio para os professores. Pela Contexto publicou como autor, coautor ou organizador Estados Unidos, História da cidadania, As religiões que o mundo esqueceu, O historiador e suas fontes, História na sala de aula, História dos Estados Unidos, Conversas com um jovem professor, O Brasil no Contexto: 1987-2017 e Diálogo de culturas. Viaja bastante e observa professores e alunos em meios como comunidades indígenas no México, escolas da França, aulas no Norte da Índia, Vietnã e China. Sua meta de vida é ser lembrado como alguém que tentou ser um bom professor.
Foto de capa por Renato Tobias.