Ainda que a ciência esteja presente em nosso cotidiano e que o predicado científico seja constantemente utilizado para persuadir sobre, entre muitas outras coisas, a compra de informação, produtos e tratamentos médicos, a compreensão da população sobre o que seja ciência e conhecimento científico ainda é escassa. O argumento tecnológico e científico provoca, frequentemente, admiração na maioria das pessoas. No entanto, nesse contexto de baixa compreensão pública do que seja conhecimento científico é muito usual que conhecimento não-científico seja apresentado como científico, potencializando a propagação de pseudociência e ciência picareta.
Mas para se compreender porque o conhecimento público da ciência é pequeno é essencial uma visão acurada sobre a forma pela qual a psicologia humana conhece a realidade. A ciência é a maneira mais eficiente que a humanidade inventou para dar sentido a realidade e a produzir tecnologia que altera o meio em que vivemos. Essa vantagem da ciência está alicerçada em um princípio que é incoerente com a forma básica de funcionamento da psicologia e da cognição humana. A forma como a psicologia humana desenvolveu-se ao longo da evolução de nossa espécie a paramentou com mecanismos muito eficientes para algumas finalidades, mas que a limita para várias outras. Essas características evolutivas resultam, entre outros produtos, no que convencionou-se chamar, nas últimas décadas, de vieses cognitivos. Alguns desses vieses maculam nossa capacidade em apreender como o conhecimento científico atua para compreender a realidade. O viés de confirmação é o melhor exemplo de como nossa cognição não é capaz de apreender intuitivamente a forma pela qual o conhecimento científico é produzido. Esse viés também nos auxilia a compreender como e porque as fake news são tão propagadas e difundidas nas redes sociais. Esse viés diz respeito à nossa tendência em buscar informações (evidências) na realidade que confirmem aquela expectativa prévia (crença) que já possuíamos para explicar o que está a nossa volta. Por exemplo, o viés de confirmação entra em ação quando ficamos sabendo de uma pílula, que não é reconhecida como medicamento, que tomada por alguns enfermos fez com que uma doença séria fosse curada. Se somos os enfermos e acreditamos no poder curativo da pílula, nossa tendência é não observar as tantas pessoas que também tomaram a pílula e não se curaram, ou não tiveram melhora alguma. O viés de confirmação também entra em cena para explicar que casais inférteis que ‘relaxam de sua infertilidade’ (i.e. deixam de fazer tratamento, não se preocupam mais com o assunto) conseguem engravidar naturalmente após ‘relaxarem’. Em geral aquele que acredita nessa explicação tende a confirmar sua crença identificando os casos de casais inférteis que engravidaram assim, mas ignorando aqueles tantos casais infertéis que ‘relaxaram’ mas não conseguiram a desejada gravidez.
O princípio no qual o método científico se baseia, o que chamamos de falseacionismo, está alicerçado em uma ideia oposta ao viés de confirmação. Isso porque a tarefa do cientista é na busca de evidências que desconfirmem as hipóteses que explicam determinado fenômeno. Se essa desconfirmação não for encontrada, então a hipótese faz sentido naquele momento, até que o mesmo pesquisador ou outros pesquisadores a desconfirmem no futuro, ou demonstrem que existam outras explicações mais acuradas ou complementares. O trabalho científico é estruturado na premissa da desconfirmação. Por meio de vieses como o de confirmação é que o modo pelo qual a ciência descreve a realidade não é intuitivamente apreendido pelas pessoas. Também graças ao viés de confirmação é que crenças não científicas são tão atraentes, pois permitem a propagação da pseudociência e da ciência picareta, tendo em vista que essas crenças não-científicas confirmam sucessivamente aquilo que as pessoas já acreditam de antemão. Também é por isso que as fake news que confirmam aquilo que as pessoas acreditam são bem recebidas e compartilhadas.
Promover a compreensão pública da ciência não pode se limitar a fazer com que as pessoas compreendam os conceitos científicos. Para que o conhecimento científico possa produzir admiração e reconhecimento no ensino fundamental de nossas crianças é essencial que a forma pela qual esse conhecimento é produzido seja apreendida, dando ferramentas para que nossos jovens também compreendam que sua psicologia os leva a acreditar no que se quer acreditar. Apenas a combinação entre ensinar os conceitos básicos dos campos científicos com os princípios de funcionamento da ciência é que fornece a janela de oportunidade para que a ciência seja admirada. Isso permite que a ciência faça parte do cotidiano dos brasileiros, auxiliando a tomar melhores decisões no dia-a-dia. Os cientistas precisam se engajar na tarefa de propagar como a ciência funciona. Essa é uma agenda mais do que urgente em nosso país.
Ronaldo Pilati é doutor em Psicologia e professor de Psicologia Social na Universidade de Brasília. Sua área de interesse é a Cognição Social, com foco em racionalidade e irracionalidade humana. Realiza pesquisas científicas sobre diversos temas, como moralidade, comportamento pró-social, desonestidade e influência da cultura no comportamento. Possui interesse especial em como as pessoas compreendem e acreditam em explicações sobre o mundo que as rodeia.