ESTOU FAZENDO ESSA pergunta por uma razão que me parece adequada aos nossos dias. Até onde sei, existe uma grande chance de você fazer parte do grupo de brasileiros que vive entristecido por tanta coisa que acontece em nosso maltratado Brasil.
Uma advertência: nós não somos tristes. Essa não é a nossa natureza, como se pesasse sobre nós a sina implacável da melancolia. Ao contrário, fomos entristecidos, isto é, alguém produziu em nós esse efeito do qual tentamos nos livrar, às vezes com sucesso.
Aqui, certas coisas precisam ficar claras. A título de ilustração, e a propósito disso, não existem escravos, mas escravizados. Ao mesmo tempo, Cristo não morreu como se estivesse velhinho, muito doente, quando coincidentemente tropeçou numa cruz e caiu sobre ela, contra a qual teria batido fatalmente a cabeça. Não. Ele foi assassinado pelo poder. Propositalmente, movidos por uma ideologia e acreditando agirem corretamente, porque eram cumpridores de ordens, soldados o pregaram numa cruz, dando-lhe vinagre quando pediu água. Portanto, não foi acidente. Não foi coincidência. Houve um propósito. Todos sabiam o que estavam fazendo. Ele não morreu. Foi morto. Não somos tristes. Fomos entristecidos.
Dito isso, vale lembrar que não estou propondo um festival de tristeza coletiva pelo fato de que tantos setores da sociedade não contribuem, em quase nada, para aumentar a felicidade nacional. Isso seria fatal. Nós já sabemos de todas as mazelas, todas as pessoas que sobrecarregam os nossos ombros. Essa consciência da realidade a gente já tem. Agora nos falta o movimento da rebeldia contra situações que insistem em roubar a nossa alegria.
A primeira boa estratégia, nessa luta, é escolher diariamente o que vamos sentir e como reagir a tantos fatos e versões que poluem os nossos olhos e mentes. Segundo a advertência de um sábio oriental, se você esquece a xícara de chá sobre a mesa do bar, qualquer um pode despejar lá dentro um veneno letal, que não dá chance de sobrevivência depois de ingerido. Tudo está aí, mas eu preciso engolir e reproduzir todo esse lixo?
Em outra perspectiva, Rosa Luxemburgo, filósofa marxista polaco-alemã, propôs um caminho de resistência, que nos faz refletir: “No meio das trevas, sorrio à vida, como se conhecesse a fórmula mágica que transforma o mal e a tristeza em claridade e em felicidade. Então, procuro uma razão para esta alegria, não a acho e não posso deixar de rir de mim mesma. Creio que a própria vida é o único segredo.” Em resumo: sorrir à vida, rir de si mesmo e viver intensamente. Poucas coisas transformam tanto.
Ora, tudo isso leva a outra questão: sofrerei porque sou negro e discriminado, ou estudarei mais do que a média para garantir um lugar na sociedade? Ficarei à disposição da política oficial, palaciana, ou começarei a me dedicar à micropolítica, perguntando como eu, agora, posso contribuir, de alguma forma concreta, para aumentar a sua felicidade? Que conhecimentos e habilidades posso dividir? Que ideias? Que objetos? Que parcela de tempo? Contra essa prática revolucionária os palácios não têm qualquer poder.
Está à minha disposição a possibilidade de me rebelar, dando um sim à vida e recusando as situações de morte. Ou, ao invés de me lamentar, por exemplo, porque não escrevo, começar um movimento diário, operação conta gotas, com o propósito de um dia produzir textos como aqueles escritos por Lucas Mendes e Mário Sérgio Conti, apenas para citar duas referências obrigatórias na arte da palavra em nossos tempos. Só preciso querer.
Se o dramaturgo, romancista, contista, ensaísta e jornalista irlandês George Bernard Shaw estiver certo ao afirmar que “Essa é a verdadeira alegria na vida, ser útil a um objetivo que você reconhece como grande”, vale a proposta segundo a qual a gente bem que podia começar um mutirão de desentristecimento nacional. Tudo é uma questão de produzirmos, individual e diariamente, uma parcela de alegria a ser compartilhada.
RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Autor de Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected] — http://rubensmarchioni.wordpress.com