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Como andam os nervos do Arthur? | Rubens Marchioni

A SEGUNDA-FEIRA TEVE agenda cheia. De manhã, Oficina de Escrita Criativa numa escola de São Paulo. O contato gostoso com pessoas agitadas diante de novos caminhos para criar e escrever. Profissionais abrindo novas embalagens e mergulhando em experiências de encontrar ideias e transformá-las em texto. Até que veio o período da tarde.

No papel de acompanhante, entro no consultório do neurologista, muito bem colocado num prédio cheio de seriedade, encravado num bairro nobre de São Paulo.

Enquanto aguardo, entra um menino, acompanhado pela mãe – aqui ele será o Arthur, com “th”, para ajudar a esconder sua verdadeira identidade. Um jovem senhor com idade aproximada de seis a oito anos, nada mais do que isso, e a consulta está em seu nome. Ele tem um celular nas mãos. Garoto e aparelho se revelam inseparáveis. A mãe também tem um. E logo fica claro que entre ela e seu equipamento há uma íntima comunhão de alma. Mãe e filho: dois mundos paralelos.

Arthur, o paciente, está visivelmente sem paciência para esperar o momento de ser atendido. Mas o que o teria levado para uma consulta com o neurologista? As trapalhadas do Trump? Os riscos oferecidos por personagens como Vladimir Putin ou Kim Jong-un? Os descaminhos da Venezuela? O Brexit? Os desacertos arrogantes e inconsequentes de Brasília? Os 13 milhões de desempregados no território brasileiro? Ou seriam as incertezas que todo esse cenário, nacional e internacional, provocam na alma do pequeno garoto, solitário com sua pequena máquina e sua mãe de corpo presente?

Olho para esse quadro emblemático. Leio relatos de médicos, segundo os quais as instabilidades políticas provocadas por governantes sem escrúpulos, aumentam a incidência de enfermidades físicas e mentais. E então me pergunto se Arthur é um desses casos que ilustram as matérias jornalísticas que tenho lido sobre o assunto, produzidas dentro e fora do país.

É de se perguntar que tipo de cultura estamos criando, e o que ainda pode ser feito para a reversão desse quadro perverso. Precocemente, ele arrasta crianças para o consultório de um neurologista. De lá, certamente, elas sairão devidamente medicadas – um comprimido pela manhã, um à tarde e um à noite. Esse é o triste retrato falado do nascimento de um processo de dependência química.

Mais do que ser tomados por um sentimento de preocupação e agendar consultas, os pais têm um papel anterior a ser cumprido. Algo que vai dar melhores resultados se for realizado em parceria com a escola, por exemplo. Porque, como se pode perceber, está cada vez mais clara a certeza de que a vida individualista, que mergulha o outro na solidão dos seus problemas, não pode dar certo. Basta ver e aprender.


RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Autor de Criatividade e redação, A conquista Escrita criativa. Da ideia ao texto[email protected] — http://rubensmarchioni.wordpress.com