“… e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, amém.”: assim termina a oração do pai-nosso, a única prece cuja autoria é de Jesus Cristo.
Cair em tentação é um risco incapaz de poupar alguém, levando-o à respectiva prática do mal, ainda que involuntário.
A armadilha pode surpreender até mesmo pessoas habituadas às grandes batalhas e consideradas acima do bem e do mal. Gente de quem nunca se esperaria algo parecido. Um exemplo recente, e de repercussão internacional? Incomodado com o comportamento inconveniente de uma fiel, que se recusava a soltar sua mão, o papa Francisco manifestou seu desconforto com um tapa na mão da senhora, que se pretendia mais fiel do que qualquer outra pessoa ali. E isso aconteceu minutos depois da sua homilia, coincidentemente uma pregação na qual condenou o abuso praticado contra mulheres. A conta não fechou.
Tudo bem, o sumo pontífice não perdeu tempo: com a mídia à sua disposição, imediatamente apresentou o seu pedido de desculpas pela impaciência que o acometeu e pela maneira como demonstrou seu descontentamento com a invasão de privacidade. Mas não adiantava mais. O mal já havia sido praticado, diante dos olhos de muitos fiéis. Seria de Franz Kafka a constatação segundo a qual “Existem dois principais pecados humanos a partir dos quais derivam todos os outros: impaciência e indiferença. Por causa da impaciência fomos expulsos do Paraíso; por causa da indiferença, não podemos voltar.”, afirma ele.
Até mesmo o Santo Padre, de quem não se espera nada parecido, e supostamente dono de um autocontrole capaz de evitar situações como essa, perdeu a paciência e agiu da maneira mais humana possível. Então fica a pergunta: se até mesmo o papa foi vítima da impaciência, por que isso não poderia acontecer com você? “Cair em tentação? Comigo não!” Será?
Reconhecendo a fraqueza humana, o escritor Jack Kerouac lembra que “O meu defeito não são as paixões que tenho, mas a minha falta de controle sobre elas.” Pensando nisso, se aceita uma sugestão, não dê ouvidos às recomendações contrárias de outro literato, Oscar Wilde, e sua celebração de que pode resistir a tudo, menos à tentação. Fuja de qualquer situação em que você pode perder o controle e agir de tal modo que depois tenha de se arrepender. Nesse sentido, a Wilde, prefiro Benjamin Franklin, bem mais sensato e feliz no seu modo de pensar: “Guarda-te da ocasião, e Deus te guardará do pecado.”
Portanto, fuja, eu repito. Seja estratégico. Vão dizer que você é medroso, covarde? Tudo bem, prefira ser um medroso livre – a maioria dos processos que lotam os tribunais começaram porque um dia alguém teve medo de ser visto como covarde. Quanto aos presídios, eles estão abarrotados de gente corajosa, além do que é recomendável pela Organização Mundial do Bom Senso.
Será que vale pagar o preço?
CONEXÃO | Vi & Ouvi ■ Palavras bonitas. Existe uma frase, que conheço há anos, segundo a qual “As palavras bonitas consolam a mente, mas as barrigas vazias querem pão.” Sabe o que vai acontecer nas próximas eleições para presidente? Nossa economia vai se recuperar, na medida do possível, pelas mãos do ministro Paulo Guedes e apesar do Jair. E isso vai ser muito bem avaliado pelas pessoas cuja barriga está vazia de emprego, de perspectiva, e são maioria. Em resposta, elas votarão para que o Jair continue no poder. E quanto àqueles que dominam as “palavras bonitas”, têm senso crítico e defendem pautas sofisticadas como Cultura, Educação, Arte etc. e representam uma minoria? Estes vão amargar mais uma temporada com o Jair. Afinal, numa democracia, o que conta é a maioria.
RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Autor de Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected] — https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao