“É claro que ele está na lista dos cinco melhores jogadores da história do futebol! Até hoje eu cito o Riva em minhas entrevistas como um craque fora de série. Era muito habilidoso, tinha uma grande visão de jogo e também era um excelente cobrador de faltas. Pelo Santos, todas as vezes que íamos jogar contra ele, tinha um jogador especialmente escalado para marcá-lo.”
– Pelé
Rivellino, a Patada Atômica, o campeão do mundo pela seleção brasileira de 1970. Ídolo de ontem e das novas gerações – de torcedores e de jogadores. Como não lembrar seus dribles e a potência daquela canhota? Conhecido até hoje como Reizinho do Parque – por suas proezas como atleta do Corinthians –, Rivellino brilhou também do outro lado da ponte aérea: até hoje é considerado o maior jogador da história do Fluminense.
Conhecedor profundo de futebol, o jornalista Maurício Noriega nos conta a vida e a carreira de um dos maiores jogadores do futebol brasileiro. Os fãs descobrirão os bastidores da vida do Roberto e saberão como o menino que saiu da várzea de São Paulo se transformou no grande Rivellino, destaque até na maior seleção de todos os tempos.
O livro é recheado de fotos de diversas épocas e pontuado por depoimentos da família, do próprio Rivellino e de outras grandes estrelas do futebol, como Pelé, Neto, Zico, Tostão, Beckenbauer e Platini, em entrevistas exclusivas.
Primeiro capítulo
De canoa. Para ver o ídolo Chiquita
De como o garoto Roberto descobriu o futebol nas ruas e nos campos de várzea de uma São Paulo que não existe mais.
O cruzamento das avenidas Vicente Rao e Luiz Carlos Berrini, próximo à ponte do Morumbi, é um dos mais movimentados de São Paulo. Milhares de pessoas circulam em alta velocidade entre dois gigantescos centros de compras, hotéis e dezenas de modernos edifícios que abrigam grandes empresas.
É difícil acreditar que onde hoje há asfalto e veículos corria o leito de um riacho cujas águas límpidas se espalhavam numa várzea em tempos de cheia. O córrego desaguava no rio Pinheiros, que até os anos 1960 era sinuoso como a natureza projetara – seu curso ainda não havia sido retificado pelo ser humano.
A cidade de São Paulo da transição dos anos 1940 para 1950 ainda era provinciana, com poucos ares de metrópole. Era possível, por exemplo, ir de canoa de uma casa no bairro conhecido como Brooklin Paulista, próximo de onde fica o Esporte Clube Banespa, até as margens do rio Pinheiros. O local era infestado por nascentes cujos cursos de água seguiam até dois vales. Ali transformados em rio, eles finalmente alcançavam seu destino final, o Pinheiros. Daí veio o termo “águas espraiadas”, que era o nome da avenida atualmente chamada de Roberto Marinho.
Entre uma pescaria e outra no riacho, a diversão da molecada era ir de canoa até os campos de futebol de várzea que ficavam à beira do rio Pinheiros. Recém-chegados da Aclimação, bairro mais próximo do Centro, os irmãos Abílio e Roberto se adaptaram rapidamente ao novo bairro e engrossaram a turma da rua Joaquim Guarani, que acompanhava alguns dos principais clássicos de várzea da Zona Sul de São Paulo, nos quais se reuniam times lendários como América de Santo Amaro, Vila Carmem, Durex, Minister. Brilhavam ídolos daqueles moleques com os pés enlameados – craques de fama local, como Chiquita e Airton.
Ao voltar para casa, Abílio e Roberto disputavam animadas partidas de gol a gol, modalidade na qual cada um tentava vazar a meta adversária com um chute, sempre imitando o estilo dos ídolos da várzea. Chiquita era o favorito de Roberto, o mais novo. O garoto admirava o jeito de bater na bola de seu herói. Os chutes não eram apenas potentes, tinham estilo. Formavam curvas e trajetórias que confundiam os marcadores adversários. As disputas de gol a gol no quintal dos irmãos, sob a supervisão de Wilma, irmã mais velha, tinham cadeiras como gols improvisados. Até que um dia eles resolveram sofisticar a brincadeira e adaptaram um galinheiro do pai como meta. Abílio começou a provocar o caçula, cuja pontaria estava ruim. Inspirado pelos chutes de curva de Chiquita, o canhoto Roberto meteu o que ele chamava de “uma rosca” na bola. Bateu com o lado externo do pé esquerdo, com raiva. A trajetória inicial parecia inofensiva. Mas o percurso sinuoso da pelota encontrou a porta do galinheiro, que não resistiu à força do chute e cedeu. Foi um deus nos acuda! Galinha para um lado, pena e milho para outro; um escarcéu no quintal da família que rendeu uma bela bronca do patriarca e proprietário do galinheiro, Nicolino, que descansava lendo no jornal as notícias de seu time, o Palmeiras.
Foi assim, sem glamour ou grandes planos, que teve início a saga de um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Seguramente um dos dez melhores e mais marcantes artistas desse jogo apaixonante.
O destruidor do galinheiro do seu Nicolino foi o filho Roberto Rivellino, que cerca de 15 anos mais tarde seria conhecido como Reizinho do Parque e Patada Atômica. A transformação do futebol de brincadeira de rua em profissão aconteceu naturalmente. Nada foi sonhado nas noites de infância e adolescência. “Quando era garoto, nunca pensei que seria jogador de futebol, que chegaria a jogar em times grandes e na seleção brasileira. Eu gostava de jogar bola na rua, nos campinhos de terra, como qualquer moleque da minha idade. Nada mais do que isso”, recorda, simples assim.
Jogadores de futebol, quando entrevistados sobre sua infância, geralmente citam pretensões nada modestas. Muitos dizem que sonhavam com gols em finais de Copa do Mundo. Outros citam nominalmente jogadores que viam pela tv e nos estádios ou cujas façanhas escutavam pelo rádio. Para Rivellino nada disso aconteceu. “Eu nunca tive um ídolo desses de dizer que eu copiei. Quando eu era moleque não tinha televisão, a gente ouvia os jogos pelo rádio ou escutava o que os mais velhos contavam. Eu sempre gostei de jogadores que tratavam bem a bola, com categoria, batiam com estilo. Lembro-me desses caras da várzea, do Chiquita, do Airton, e também gostava do que falavam do Zizinho, do Didi. Mas não posso dizer que foram minha inspiração.”
A vida corria tranquila na região conhecida como Baixada do Brooklin Paulista. O clã chefiado pelo patriarca Biaggio Rivellino, avô paterno de Roberto, era proprietário de uma vasta área que ia do cruzamento das atuais avenidas Santo Amaro e Vicente Rao até quase a margem do rio Pinheiros.
As peladas não tinham times definidos, era tudo na base da brincadeira. A única regra pregava que os irmãos Abílio e Roberto não podiam atuar no mesmo time, porque era covardia. Abílio era ponta-direita. Rápido e driblador, humilhava os marcadores com extrema facilidade. O canhoto Roberto era hábil, inteligente e chegava a machucar com a força de seu chute. “Uma vez eu quebrei o braço de um menino com meu chute. Tinha um amigo nosso chamado Maurício, que era descendente de índios e ficava com aquela porra do arco e flecha o dia inteiro. Aquilo me irritava. Um dia peguei uma varada e acertei a cabeça dele, que desmaiou. Falavam que eu tinha matado o Maurício, que seria preso. Eu chorava feito um desesperado”, recorda.
Quem organizava as peladas, com a condição de que Abílio e Roberto estivessem em equipes diferentes, era um senhor que fazia questão de ser chamado pelo nome completo: Maurício Celso de Rezende Simões. Ele apitava os jogos, expulsava jogadores e gostava de interromper e orientar os jovens atletas quando entendia que tinham feito alguma coisa errada. Gabava-se para os amigos dizendo que tinha ensinado Rivellino, o Roberto, a chutar de perna esquerda.
A versão de Simões é contestada pela memória de Roberto. “Nunca ninguém me ensinou a chutar. Claro que você aprende muita coisa, mas o meu chute é dom, é natural; eu fui aprimorando jogando na rua, na várzea e depois nos clubes. Tenho fotografias de quando tinha 3, 4 anos de idade e já tinha a postura de bater na bola que eu mostrei depois como profissional”, afirma.
A primeira investida num futebol mais sério foi organizada no campinho que ficava a poucos metros de onde está localizado o Esporte Clube Banespa, praticamente na esquina das avenidas Santo Amaro e Vicente Rao. Ali foi a primeira sede, improvisada, de um tradicionalíssimo clube paulistano, o Clube Atlético Indiano. Sede era força de expressão, porque havia o campo, um vestiário improvisado e nada mais, em uma área que pertencia à família de Rivellino e era alugada para os boleiros do Indiano.
Um diretor do Banespa viu Rivellino jogando futebol na rua Joaquim Guarani, onde a família vivia, e convidou ele e os amigos para uma partida contra o time de futsal (à época, futebol de salão) do clube. “Demos uma porrada neles com nosso time, que só tinha moleque de rua. Gostei do salão e comecei a jogar também no campo, pelo juvenil do Banespa”, lembra. Apesar da nova rotina, o futebol era apenas mais uma entre muitas brincadeiras. “Eu não ficava curtindo futebol no rádio, eu queria jogar bola. Gostava de um time – no meu caso, esse time era o Palmeiras – mas não ficava ligado nos jogos. Ia jogar minhas peladas. Ou ficava no peão, na pipa”, conta. A paixão pelo Palmeiras vinha da família de origem italiana. Seu Nicolino fazia questão de ressaltar que era Palestra. Roberto tinha um papagaio chamado Totó, a quem ensinou gritar “gooooooool do Palmeiras”.
“Quando eu era garoto, o Palmeiras veio treinar no Banespa. Eu subia na cerca, pulava o muro, queria ver Valdir de Morais, Djalma Santos, Aldemar, Waldemar, Zequinha, Chinesinho, Vavá, Romero, Ferrari. Nunca neguei que eu era palmeirense; somos descendentes de italianos.”
Claro que a família Rivellino também ia aos estádios. Para o jovem Roberto, dois dias de arquibancada ficaram marcados na memória. “Lembro-me da inauguração do Morumbi, tinha muita gente. Mas nunca me esqueço de ter visto um Santos e Botafogo, no Pacaembu. Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe no Santos. Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagallo no Botafogo. Foi 4 a 2 para o Botafogo. Eu ali, moleque, olhando Pelé, Garrincha, Didi…”, recorda, nostálgico.
O sucesso no futsal do Banespa e no futebol de campo do clube Indiano transformou Roberto em uma espécie de celebridade entre os caçadores de talento do futebol paulistano. Seu chute com a perna esquerda chamava a atenção dos olheiros dos grandes clubes. Até que os dois maiores rivais do futebol paulista, Corinthians e Palmeiras, travaram mais uma de suas muitas batalhas. Dessa vez, não apenas pelos pés, mas também pelo coração de um jovem craque.
O Indiano era frequentado por jogadores em atividade e ex-jogadores. A fama de Roberto era grande no clube. É nesse ponto que a disputa entre Timão e Verdão pelo talento do jovem jogador se divide em duas versões: a de Roberto e a do treinador Mário Travaglini. Ganhou força com o tempo a do craque, segundo a qual ele teria sido desprezado em um teste que fez no Palmeiras, sob o olhar de Travaglini.
“O teste no Palmeiras foi uma decepção muito grande. Não pedi para ir. Eu jogava futsal no Banespa, além de campo. Houve uma decisão contra o Palmeiras no Banespa. Joguei bem e um diretor do Palmeiras que estava vendo o jogo fez um comentário: ‘Será que esse garoto joga bem no campo?’. Naquele dia calhou de meu pai, que não me acompanhava muito nas partidas, estar vendo o jogo. Ele estava perto desse diretor, ouviu a pergunta e respondeu: ‘É meu filho e também joga muito bem no campo’. O diretor mandou procurar o Mário Travaglini. Fui ao Palmeiras com meu padrinho, lá na Barra Funda. Treinei. Eu fazia minhas jogadas e parecia que não estavam nem aí. Fui uma, duas vezes. Na terceira, o Travaglini separou um grupo, no qual eu estava, e disse que a gente podia se trocar que não iríamos treinar. Eu disse: ‘Vai tomar no cu, não preciso dessa merda’. Peguei minhas coisas e fui embora. Contei pro meu pai e fui embora”, recorda Rivellino, ainda irritado com a história, mais de 40 anos depois do ocorrido.
No livro Mário Travaglini: da academia à democracia, dos jornalistas Márcio Trevisan e Hélvio Borelli, o treinador, falecido em 2014, conta sua versão da história, aqui resumida. “O Rivellino foi ao Palmeiras com um bilhete de apresentação assinado pelo José Maria Marin (ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol – cbf), que também era do Indiano. Eu me lembro de que era uma quinta-feira e estávamos treinando num dos campos do Nacional, na rua Comendador Souza, porque no domingo jogaríamos a final do Paulista Juvenil, contra o São Paulo. O Rivellino chegou acompanhado do pai, com o bilhete e vestido para treinar. Mas eu não poderia colocá-lo desde o início porque precisava armar o time da final. Ele fez cara feia, ficou resmungando, mas não dei atenção. Quando faltavam 15, 20 minutos para terminar o treino, coloquei o Rivellino no time reserva. Foi, de fato, um tempo curto, mas pude ver que ele era diferente. Fui até ele e disse que ele era realmente muito bom, especial. Expliquei que, por causa da decisão, não tinha tempo para resolver a contratação dele, mas pedi que voltasse na semana seguinte. Percebi que não gostou, mas nem ele nem o pai reclamaram. Ele ouviu o que eu disse, virou as costas e foi embora.”
Além das duas versões, havia ainda o segundo jogo da decisão do futsal, entre Banespa e Palmeiras. Rivellino e Travaglini se encontrariam novamente neste dia. O treinador tinha ficado realmente impressionado com o garoto e foi até o velho ginásio do Palestra Itália para ver o jogo e tentar convencer o garoto a se inscrever pelo Palmeiras. “Quando terminou o jogo, fui até a quadra com dois funcionários do Palmeiras, Oscar Paolillo e Ruy Cardim. Eles mostraram a inscrição, e bastava que o pai do Rivellino assinasse para ele ser jogador do Palmeiras”, conta Travaglini no livro.
Irritado com o que considerou pouco caso de Travaglini no período entre o primeiro e o segundo jogo da final do futsal pelo Banespa, Rivellino seguiu jogando no Indiano. Havia no clube um diretor chamado Paulo Laguna, que também era diretor do Corinthians. Algumas semanas antes, ele tinha recebido no campo do Indiano o responsável pelo futebol amador do clube alvinegro, João Cerino, que havia ido ao Indiano para ver Rivellino, mas foi desencorajado por Laguna sob o seguinte argumento: “Esquece, que esse aí é palmeirense”.
A versão de Rivellino, novamente, difere da apresentada por Travaglini. “O Paulo Laguna, que era diretor do Indiano, conhecia muito um diretor do Corinthians chamado Cerino. Pediu para eu ir ao Corinthians, o Laguna falou para me olharem com carinho, aquela coisa de amigo. Eu me comprometi a ir no ano seguinte. O segundo jogo da final do futsal foi no Palmeiras. Joguei muito, arregacei com eles, e o Mário Travaglini estava vendo. Ele me reconheceu do teste e veio falar comigo, pediu desculpas, disse que não tinha dado para me ver direito. Eu disse: ‘Agora não, vou para o Corinthians’. O Travaglini disse que mandaria um carro me buscar, mas não tinha jeito. Eu tinha me comprometido com o Corinthians.”
Em resumo, Rivellino acha que foi desprezado por Travaglini, pois acredita que o treinador sabia de seu potencial e que não dependeria de testes para ser aprovado. Travaglini morreu acreditando que Rivellino tinha sido procurado antes pelo Corinthians e havia dado sua palavra a Cerino. Com o tempo, o craque e o treinador se tornaram amigos e trabalharam juntos, inclusive, com muito sucesso, no Fluminense. E, verdade seja dita, no Palmeiras nunca houve muita cobrança sobre a perda de Rivellino para o grande rival.
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COM A PALAVRA,
Abílio Rivellino
“A bola parece que
é amiga dele e diz:
‘Quero ficar com você’”
Ele foi espectador privilegiado do nascimento de um craque histórico. Mais do que isso: ensaiou tabelas e jogadas ao lado da canhota mais famosa do futebol brasileiro. Para ele, o Reizinho do Parque é simplesmente o Roberto. “Desde criança ele já era diferente. Canhoto, menor do que os outros e chutava mais forte que todo mundo da turma, até os mais velhos. O jeito dele de bater na bola quando era pequeno é exatamente igual a como batia como profissional.” Quem afirma é Abílio, irmão de Roberto Rivellino, dois anos mais velho. Com a autoridade de quem, segundo a avaliação do irmão famoso, “era um ponta-direita que jogava muito”.
Foi ao lado de Abílio, pelas ruas de terra do bairro paulistano do Brooklin, que Roberto deu os primeiros chutes na caminhada rumo ao olimpo do futebol. “Nossa vida era muito boa e muito simples. A gente passava o dia na rua, empinando pipa e jogando futebol. Não havia perigo. Aos domingos, a diversão era ir ao cinema após a missa. No resto do tempo jogávamos bola”, recorda.
Desde muito cedo, os olhos de Abílio identificaram uma relação do irmão mais novo com alguém muito especial. “A bola parece que é amiga dele e diz: ‘Quero ficar com você’. Eles têm uma cumplicidade. Parece que Deus olhou para o Roberto e falou: ‘Você vai ser craque de bola’. Ele nasceu para jogar futebol. E como gostava de jogar futebol! Com chuva, então, era uma festa.” Quando a chuva apertava e era preciso voltar para casa, os irmãos buscavam na criatividade pura das crianças soluções para a falta de espaço. “Em casa tínhamos duas salas, uma de jantar e uma de visitas. A gente ficava metendo chutes de três dedos para a bola passar entre os pés das cadeiras, com obstáculos no caminho”, recorda, revelando uma das técnicas de treinamento que o jovem jogador brasileiro costumava tirar da cartola nos tempos ditos românticos.
Foi essa relação quase uterina com a bola que moldou um dos maiores craques de todos os tempos. “A gente estudava no Colégio Meninópolis. O Roberto ainda era criança de colo e ficava com o padre Carlos durante o intervalo, porque era muito pequeno para jogar bola com as outras crianças. O padre precisava parar o jogo da molecada apenas para o Roberto chutar a bola e fazer um gol. Era a única maneira de fazê-lo parar de chorar.”
Abílio garante que todos os ingredientes para o jogador espetacular que o irmão se tornaria estavam presentes logo quando Roberto havia deixado de usar fraldas. “Temos fotos dele com 3, 4 anos chutando bola. O jeito de bater na bola é igual ao de quando tinha 25 anos. Basta pegar as fotos e conferir.”
Foi esse jeito especial – e muito forte – que chamou a atenção de um diretor do Esporte Clube Banespa enquanto assistia a uma pelada de moleques na rua Joaquim Guarani. Ele convidou os garotos que jogavam descalços para fazer uma partida contra o time de futsal do clube. “Lembro-me muito bem, porque foi numa segunda-feira, dia em que os clubes fechavam para manutenção; mas o time do Banespa estava treinando. Claro que o interesse era no Roberto. A bola de futsal antigamente era menor e mais pesada, e ele fez miséria no jogo. Em pouco tempo, estava jogando no time do Banespa e juntava gente na arquibancada apenas para vê-lo. Naquela época, ele era conhecido como Maloca, porque adorava a música “Saudosa maloca”, do Adoniran Barbosa. Todo mundo queria ver o Maloca”.
A vida seguia seu curso, com escola, corridas para escapar das broncas de seu Nicolino e muito futebol, claro. “Aos domingos, a gente saía de casa às 8 horas da manhã, toda a molecada em cima de um caminhão, para jogar nos festivais de várzea. Jogávamos na Vila Carmem, no Campo Limpo, no Taboão da Serra. Eram jogos de dois tempos de 15 minutos e quem ganhasse ia ficando no campo. Chegávamos a jogar seis partidas por domingo.”
Foi nessas peladas de várzea, no futsal do Banespa e no futebol de campo do Clube Atlético Indiano que Rivellino consolidou seu caráter e estilo como jogador de futebol. Mas também havia quem observar e imitar. “O time do São Paulo treinava no campo da Durex e a gente ia lá para ver Poy, De Sordi, Mauro e, principalmente, o Canhoteiro, que ficou nosso amigo com o tempo. A gente via o Canhoteiro fazer aquelas maravilhas com a bola e quem tinha habilidade tentava imitar”, revela Abílio. Roberto o imitava cada vez melhor e desenvolvia os próprios truques. Até o momento em que foi chamado para treinar no time juvenil do Corinthians. “Mandaram o Luizinho Pequeno Polegar ver o treino do juvenil do Corinthians para observar um quarto-zagueiro. Ele voltou e disse que só tinha um meia-esquerda que jogava muita bola: era o Roberto. Meu irmão começou muito cedo e ficou pouco tempo no futsal e no juvenil do Corinthians. Logo ele estava no time de aspirantes e, em seguida, foi para o principal.” O próprio Abílio jogou por um tempo, mas não seguiu carreira; preferiu ajudar o irmão e os negócios da família.
A ida para o Corinthians, depois de um confuso teste no Palmeiras, provocou uma situação curiosa nos corações torcedores da família Rivellino. “Meu pai era palestrino. O Roberto é corintiano, ama, deve tudo ao clube, é apaixonado pelo Corinthians e também pelo Fluminense. Mas quando pequeno ele também era palmeirense, nunca negou isso. Por incrível que pareça, eu sou palmeirense e meu segundo time é o Corinthians, por causa do meu irmão”, conta Abílio.
Por acompanhar de perto a era de ouro do futebol, ele não tem dúvidas em afirmar: “Eu vi os melhores do mundo. Não é por ser o meu irmão, mas o Roberto está entre os cinco melhores de todos os tempos. O Roberto é gênio. Era imprevisível, só ele sabia o que ia fazer em campo. Quando a bola vinha no pé dele, já tinha quatro, cinco jogadas na cabeça e tocava sem olhar. Isso ele já fazia quando era criança. Quando Roberto pegava na bola, eu sabia que era só correr porque a bola chegaria se eu fosse a melhor opção. Ele não precisava se afastar para bater forte na bola. Ele não virava o corpo, virava o pé. É diferente. Eu o vi fazer isso milhares de vezes e era do mesmo jeito na rua, no Pacaembu, no Maracanã.”
Abílio se recorda com carinho especial de um dia em que ouviu uma opinião semelhante de outro integrante do grupo dos cinco maiores de todos os tempos. “Estava com meu irmão num evento com Beckenbauer e Pelé. Fui apresentado ao Beckenbauer e ele me disse em inglês, com a tradução de um amigo: ‘Estou ao lado do maior jogador branco e do maior jogador negro do mundo’.”
O Beckenbauer disse uma verdade ao estar acompanhado de Pele´ e Rivellino.
‘Estou ao lado do maior jogador branco e do maior jogador negro do mundo’.”
Eu tive o previlegio de ver ambos jogarem ..
Osvaldo Ferreira de Moraes.
Realmente um privilégio, senhor Osvaldo.
Desejamos ótimas leituras, abraços!