Todos os anos, 1º de dezembro marca o Dia Mundial de Luta contra a AIDS. Esta é uma oportunidade para apoiar as pessoas envolvidas na luta contra o HIV e melhorar a compreensão do vírus como um problema de saúde pública global.
Conhecer a trajetória da saúde humana e entender os atuais desafios é urgente para pensarmos o mundo que deixaremos às futuras gerações. O médico francês Jean-David Zeitoun escreveu um livro fascinante, atual, muito bem pesquisado. A linguagem clara é um convite extra para a leitura. Vamos conhecer um do livro História da saúde humana.
À medida que o mundo saía da Segunda Guerra Mundial, ele se entregava a um balanço otimista de seu relacionamento com os micróbios. Os serviços públicos de nossas sociedades e, depois, as vacinas preveniram um número considerável de infecções. Os antibióticos estavam derrotando a maioria das demais. Estávamos sempre inventando novos antibióticos e vacinas. Simbolicamente, várias doenças importantes que haviam devastado populações estavam em vias de serem controladas. Os especialistas tiveram a impressão de que o problema estava quase resolvido. A penicilina, a vacinação contra a poliomielite ou a invenção de medicamentos contra a tuberculose contribuíram para essa falsa sensação de segurança iminente.
O FIM DOS MICRÓBIOS?
George Rosen previu o fim das doenças microbianas. Aidan Cockburn, epidemiologista da Universidade Johns Hopkins e conselheiro da Organização Mundial da Saúde, publicou, em 1963, um livro chamado The Evolution and Erradication of Infectious Diseases. Ele explicou que, nos últimos 20 anos, o conceito de erradicação de doenças microbianas estava substituindo o de controle, menos ambicioso. Yale e Harvard chegaram a fechar seus departamentos de doenças infecciosas no final da década de 1960. Frank Macfarlane Burnet, virologista australiano que recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1960, também previu o fim dos micróbios. Em 1971, ele e David O. White publicaram um livro que dizia: “Escrever sobre doenças infecciosas é quase como escrever sobre algo que ficou no passado… A previsão mais provável sobre o futuro das doenças infecciosas é que ele será muito monótono.” Eles acrescentaram de forma ainda mais categórica: “Um dos perigos imemoriais da existência humana chegou ao fim.” Robert G. Petersdorf, também especialista internacionalmente reconhecido em doenças infecciosas, pensava mais ou menos o mesmo. Petersdorf estava muito envolvido na formação de jovens médicos americanos e foi um dos mentores de Anthony Fauci, futuro diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas. Ele escreveu em 1978: “Mesmo com minha grande lealdade pessoal às doenças infecciosas, não posso imaginar que precisemos de mais 309 especialistas em doenças infecciosas, a menos que eles gastem seu tempo cultivando uns aos outros.” Três anos depois, os primeiros casos de sarcoma de Kaposi e pneumocistose em homens jovens deram início à pandemia de HIV/aids.
Frank Snowden utilizou a expressão “décadas eufóricas” para caracterizar o período de meados do século XX a 1992. Na realidade, apenas a varíola sumiu permanentemente do mapa.
De acordo com Snowden, dois erros factuais explicam a ilusão de erradicação. Em primeiro lugar, os pesquisadores tiveram uma visão muito estática do mundo microbiano e não levaram em conta a natureza instável dos patógenos. Essa instabilidade explica sua capacidade de evolução. Os especialistas não previram que o vazio deixado pelas doenças erradicadas poderia dar espaço para outras espécies microbianas. A luta contra os micróbios pode passar por fases de intensidade variada, mas nunca para. O segundo erro foi ter interpretado a natureza como tendencialmente benigna. Acreditava-se que a pressão da seleção natural levava os micróbios a se tornarem menos agressivos com o tempo. Havia uma teoria de que a natureza estava evoluindo para o comensalismo, isto é, uma harmonia duradoura entre as espécies, e até mesmo uma relação que produzisse benefícios mútuos. Essa teoria equivocada se baseava no princípio de que os micróbios mais perigosos matam seus hospedeiros, prejudicando sua própria transmissão e, portanto, sua sobrevivência. Sabemos hoje que esse princípio às vezes é verdadeiro, mas nem sempre, e que a realidade é mais sutil. A dengue é um dos melhores exemplos disso. É causada por um vírus que pode se tornar cada vez mais agressivo quando um indivíduo é reinfectado. A segunda dengue costuma ser mais grave do que a primeira.
Além desses dois erros factuais apontados por Snowden, um viés de observação e um viés de raciocínio também confundiram os humanos do século XX. Em primeiro lugar, eles não atentaram suficientemente para o fato de que, desde 1940, o número de novas infecções emergentes estava aumentando constantemente. Algumas patologias importantes estavam em declínio, mas cada década tinha produzido mais doenças microbianas do que a anterior. Em segundo lugar, sem dúvida foram demasiadamente otimistas. Esse excesso de confiança os levou a negligenciar os fatos que contradiziam as previsões otimistas. Os médicos muitas vezes acreditam erroneamente que as tendências sempre se mantêm. Essa esperança também passava pela pressão da opinião pública. Por exemplo, muitas vezes foi anunciado, na descoberta de novos tratamentos, o fim iminente do câncer ou mesmo da doença de Alzheimer, que é ainda mais improvável. Ainda estamos muito longe disso, se é que chegaremos lá. Durante essas décadas eufóricas, os observadores certamente tinham a impressão de que o mais difícil já fora feito e que restava apenas um pequeno esforço para completar a grande missão da erradicação microbiana. Os fatos indicavam que não era bem assim, e algumas pessoas tinham se dado conta disso. Joshua Lederberg, microbiologista que recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1958 – aos 33 anos –, buscou alertar o público. Foi ele quem cunhou os termos doenças emergentes e reemergentes. Seu objetivo era sinalizar ao mundo que era preciso sair do êxtase pós-microbiano: “Podemos ter certeza de que novas doenças surgirão, embora seja impossível prever onde e quando”.
Lederberg estava certo e vários sinais poderiam confirmar isso. Além do crescente surgimento de novas doenças infecciosas, várias epidemias ou pandemias graves tinham marcado nossa história. Após duas pandemias de gripe (1957 e 1968), a pandemia de HIV/aids causou um choque global com poucos antecedentes históricos. Várias de suas características eram quase impensáveis alguns anos antes. Primeiro, a doença é incurável. Os antirretrovirais permitem que se viva quase normalmente, mas não curam e não eliminam todos os riscos. Em segundo lugar, ela atinge fortemente não apenas os países menos desenvolvidos, mas também os países industrializados. Ela ocorreu até nos Estados Unidos. Em terceiro lugar, e por coincidência simbólica, é uma infecção que provoca a outras infecções. Essas infecções secundárias são oportunistas, ou seja, aproveitam-se da fraqueza imunológica induzida pelo HIV. Infecções oportunistas tinham sido classificadas como raridades, ou mesmo curiosidades médicas. Em quarto lugar, é simplesmente uma das piores pandemias da história. Já causou 35 milhões de mortes e ainda infecta 38 milhões de pessoas em todo o mundo em 2020. Ela ameaça ultrapassar o número de casos de pandemia de peste negra ou mesmo da gripe espanhola.
Menos comentadas, mas igualmente significativas, três epidemias no final do século XX deveriam ter acabado com essa ilusão: a cólera-asiática (1991), a peste na Índia (1994) e o ebola (1995). Os seres humanos não deveriam ter visto essas três epidemias como acidentes, mas entendido seu significado: o mundo tinha se tornado mais patogênico.
Jean-David Zeitoun é doutor em Medicina e em Epidemiologia Clínica e graduado pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po). É autor de mais de uma centena de artigos científicos.