Por Valdir Santos
Abraçando o objetivo de aproximar o leitor brasileiro das temáticas e questões latino-americanas, Independências na América Latina é uma introdução à história dos processos de independência das regiões de colonização espanhola na primeira metade do século XIX. Para entendê-los de modo mais aprofundado, a organização da narrativa do livro não trata das emancipações em cada um dos países de maneira específica nem justapõe relatos construídos como histórias nacionais particulares. Em outro sentido, pretende observar as independências como um processo abrangente, fruto de um período de intensas transformações que reordenaram o Império Espanhol e o Mundo Atlântico entre o fim do século XVIII e o início do XIX.
Adiantamos que apreender as emancipações da América de colonização espanhola como parte desse quadro mais geral não significa, de modo algum, esquecer as dinâmicas locais. Pelo contrário, é impossível compreender as condições específicas de cada processo sem relacioná-las a contextos e estruturas mais amplos. As lutas por independência não podem ser entendidas sem uma percepção das especificidades regionais, sociais e étnicas de cada parcela rebelada do Império Espanhol, tampouco podem ser desvinculadas das grandes revoluções do período – em especial, a Revolução de Independência dos Estados Unidos (1776), a Revolução Francesa (1789-1799) e a Revolução Haitiana (1791-1804). Embora diferentes entre si, esses episódios não deixaram de representar, cada um à sua maneira, respostas à crise do Antigo Regime na Europa e nas Américas e à constituição de novas formas de organização política, social, econômica e cultural.

As lutas por independência que agitaram a América espanhola tiveram como estopim a ocupação da península ibérica pelos exércitos de Napoleão Bonaparte e a prisão do monarca Fernando VII em 1808, eventos que provocaram uma crise sem precedentes dos dois lados do Atlântico. Menos de duas décadas depois, por volta de 1825, os territórios americanos que outrora faziam parte do Império Espanhol já se constituíam como repúblicas autônomas. Como explicar essa guinada em um intervalo tão curto de tempo? Como movimentos que se iniciaram contra a ocupação francesa e em defesa do rei ibérico terminaram na fragmentação desses territórios em unidades políticas independentes?
Entre experiências e expectativas, sonhos e desilusões, utopias e desencantos, compreendemos esses episódios históricos como acontecimentos multifacetados, articulados global e localmente, que mobilizaram representantes das mais variadas camadas sociais e étnicas e produziram uma série de projetos e experimentações políticas. Analisadas as lutas por independência por esses prismas, algumas questões se colocam: que América nasceu desses processos revolucionários? Quais as repercussões e impactos desses movimentos nos dias atuais? Por que alguns ícones das independências, como Simón Bolívar, são ainda hoje relevantes no debate público de muitos países?
É importante afirmar que o Brasil, mesmo que de maneira contraditória e ambígua, faz parte da América Latina. Embora desde o século XIX nosso país tenha, muitas vezes, encarado seus vizinhos sob o signo da desconfiança, produzindo alteridades e antagonismos (monarquia/república, unidade/fragmentação, ordem/anarquia etc.), as trajetórias dos territórios de colonização ibérica estão inscritas em uma experiência histórica comum. Brasil e América Hispânica, tão diversos em suas particularidades, constituíram-se não como realidades dicotômicas, mas por meio de tramas articuladas, repletas de intercâmbios políticos, econômicos e culturais, que continuam a se cruzar e a se influenciar constantemente.
Esperamos que Independências na América Latina contribua para o questionamento de imagens pré-concebidas em relação aos nossos vizinhos, para uma maior aproximação entre nós e uma melhor compreensão sobre as complexidades de nossa formação histórica como brasileiros e – por que não? – latino-americanos.
Valdir Santos é professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), atuou como pesquisador visitante no Centro de Investigaciones sobre América Latina y el Caribe da Universidad Nacional Autónoma de México (CIALC/UNAM). É coautor de Utopias latino-americanas, publicado pela Contexto.

