A rapidez com que chegam as notícias, a pressa com que as lemos, ou ouvimos, a superficialidade com que as absorvamos fazem com que, com frequência, não prestemos a atenção devida a algumas informações relevantes e façamos juízos apressados, baseados em visões pré-concebidas. A situação política na região que denominamos Oriente Médio é um caso que desperta paixões, afirmações levianas e críticas violentas a todos os personagens do drama que se passa em um palco em que, séculos atrás, atuaram atores da importância histórica de Jesus, Moisés, David e Golias, e tantos outros. O cenário também é familiar, pois falamos de Jerusalém, da Galileia, do Mar Morto e de Gaza, entre outros locais tão próximos de nossa cultura.
Alguns dados quantitativos são importantes para que saibamos o tamanho de alguns dos atuais personagens. Israel, por exemplo, tem, atualmente, cerca de 22 mil quilómetros quadrados, equivalendo ao estado de Sergipe, o menor dos estados brasileiros. Apenas como comparação, o Irã tem cerca de 1.648 mil quilómetros quadrados, aproximadamente 75 vezes maior do que Israel. Não o dobro, ou o triplo, mas 75 vezes maior. A população do Irã, cerca de 87 milhões de habitantes, é dez vezes maior do que a israelenses. Esses números são interessantes e importantes, pois não se pode reproduzir a imagem de um Israel gigante em território e população. Enquanto Israel não passa de um Vale do Paraíba em território, o Irã equivale a mais de 5 vezes o tamanho de todo o estado de São Paulo.
Mas esses números são o de menos. Interessa mais conhecer o processo de formação do Estado de Israel, para podermos entender melhor o que está se passando por lá.
Judeus nunca tiveram, na Antiguidade, uma estrutura estatal poderosa. Por mais que David e Salomão apareçam nos escritos do cânone bíblico como importantes monarcas, os historiadores especializados no tema seriam incapazes de comparar Judá ou Israel ao Egito, Babilônia ou Pérsia. E o templo de Jerusalém, por mais bonito que fosse, não era uma construção do porte de outros em termos de grandeza. Mas a documentação deixa claro que o monoteísmo ético diferenciava este povo de vários outros, mesmo em períodos em que líderes políticos e religiosos não eram nada de excepcional e se utilizavam do poder para enriquecer e favorecer seus parentes e amigos. De qualquer forma, o importante aqui é ressaltar que, mesmo depois do ano 70, quando o templo de Jerusalém foi arrasado, a região se tornou uma província romana e muitos judeus se espalharam pelo mundo, nunca deixou de haver uma identidade judaica, uma espécie de identidade nacional (antes até de a concepção moderna de nação existir) e, até nas rezas, os judeus sempre falavam em retornar à sua terra de origem.
Isto para deixar claro que a ideia do retorno a Sion não tem nada a ver com imperialismo inglês, em submeter habitantes originários, ou algo do gênero, como afirmam alguns desinformados. Pelo contrário, a colonização judaica moderna da Palestina levou para a região, inicialmente, rapazes e moças da Europa Central e Oriental, provenientes do Império Czarista, esquerdistas, que tinham como objetivo criar células socialistas, o kibutz, onde nem a roupa de trabalho era propriedade pessoal, mas coletiva, as crianças eram criadas coletivamente, as refeições também, e um dos objetivos era o de resgatar os árabes palestinos de sua situação de penúria, explorados que eram pelos proprietários de terra, também árabes. Problema social, não nacional.
As coisas tomaram um rumo diferente quando os ingleses vencem os turcos e, em 1917, o General Allemby ocupa a região e a Inglaterra se torna potência mandatária, situação que sustentou até 1948 quando a ONU, em assembleia geral comandada pelo brasileiro Osvaldo Aranha, dividiu a Palestina em duas partes, uma destinada aos judeus, a outra aos árabes palestinos. Assim, não é verdade que a ONU não tenha se preocupado com os palestinos, como reiteram alguns desinformados (ou mal intencionados). O problema, na ocasião, foi que os palestinos caíram no conto de alguns países vizinhos, que não achavam interessante a presença de um Estado moderno e democrático tão próximo deles, e se propuseram, juntos, a literalmente “jogar os judeus no mar”. Não conseguiram. E não conseguirão, mesmo sendo muitos contra poucos.
A solução é obvia: os lados devem sentar-se, em volta de uma mesa, sem condições prévias e encontrar uma solução. Há muita terra inculta e muitas áreas não aproveitadas na região. Há lugar para que esses povos, ambos originários da região, possam desenvolver sua cultura lado a lado, em paz. É o que as pessoas de boa vontade, do mundo todo, precisam desejar. E não apenas é possível, mas é a única opção.
Jaime Pinsky é historiador e editor. Completou sua pós-graduação na USP, onde também obteve os títulos de doutor e livre-docente. Foi professor na Unesp, na própria USP e na Unicamp, onde foi efetivado como professor adjunto e professor titular. Participa de congressos, profere palestras e desenvolve cursos. Atuou nos EUA, no México, em Porto Rico, em Cuba, na França, em Israel, e nas principais instituições universitárias brasileiras, do Acre ao Rio Grande do Sul. Criou e dirigiu as revistas de Ciências Sociais, Debate & Crítica e Contexto. Escreve regularmente no Correio Braziliense e, eventualmente, em outros jornais e revistas.