O tema deste livro, a sociabilidade, foi escolhido em função da sua importância para a nossa sobrevivência e convivência harmoniosa e produtiva. A sociabilidade garante a sobrevivência tanto no início da vida, em que dependemos dos cuidados dos adultos, quanto depois, para convivermos com nossos pares aprendendo, cooperando uns com os outros e produzindo juntos. Assim, essa capacidade de nos envolvermos de modo adequado em nossas interações com os outros está presente em quase todos os momentos de nossas vidas. É importante lembrar que, por ser fruto da influência de vários fatores, como herança genética, desenvolvimento, aprendizagem e personalidade, ela pode variar quanto à sua adequação. Esse é um tema tratado em todos os capítulos devido à sua importância em nossas vidas.
No primeiro capítulo, definimos o que é sociabilidade, explicitando os processos psicológicos que a tornam mais ou menos adequada, como o desenvolvimento mental que propicia dois processos fundamentais, a empatia e a teoria da mente. Mostramos também outros processos que interferem no pleno desenvolvimento, como influência biológica, no caso o transtorno do espectro autista.
Outro fator fundamental é a personalidade, que envolve traços que favorecem a sociabilidade, como a extroversão e a introversão, o neuroticismo, a abertura à experiência, a amabilidade e a conscienciosidade. As variáveis demográficas como idade, gênero, nível socioeconômico e grau de densidade demográfica do local de moradia também interferem, assim como a cultura de origem, pelo tipo de relação com o outro que nela é enfatizado.

Outro aspecto que influi sobre a sociabilidade é o conflito interpessoal, que quando mal resolvido prejudica as relações entre as pessoas. Esta má resolução pode envolver, como estratégia, a agressão de uma parte contra a outra, que pode negociar, revidar ou se afastar, dependendo de suas características pessoais. Um conflito interpessoal destacado, não só no primeiro capítulo, mas também nos demais, é o causado por um tipo de assédio, o bullying. O bullying é considerado assédio porque consiste na importunação ou abuso frequente de uma pessoa, cujas relações com o assediador ficam prejudicadas, podendo haver impacto na saúde mental da vítima e também no ambiente onde ocorre. Finalmente, analisaremos a sociabilidade bem desenvolvida, que se manifesta por meio de características pessoais e comportamentais que conferem popularidade e influência ao indivíduo.
O segundo capítulo analisa o desenvolvimento da sociabilidade na família, discutindo o impacto das práticas de criação adotadas pelos pais – no caso, autoritárias, democráticas, indulgentes e displicentes – na resolução de conflitos pelos filhos na vida adulta. Na adolescência, o jovem encontra novos desafios, como os escolares, que vão interferir na sua sociabilidade, as relações com a família tornam-se mais conflituosas, frequentemente influenciadas pela personalidade. A influência dos pares de mesma idade é mais marcante, aumentando a importância dos conflitos com eles.
Alguns fatores que contribuem para a boa convivência familiar são apontados como importantes para o temperamento e a sociabilidade da criança, e os que são adversos impactam negativamente, por exemplo, o estresse materno. Características familiares como idade da mãe, nível socioeconômico, práticas de criação, participação nos relacionamentos sociais, valores são também importantes, influindo sobre autoconceito, autoeficácia, bem-estar e sociabilidade dos filhos.
O terceiro capítulo aborda a convivência na escola e seus impactos sobre a sociabilidade. São analisadas pesquisas que investigaram o ambiente escolar, verificando que a alta incidência de conflitos e exposição ao bullying dirigidos a aspectos pessoais presentes no ambiente escolar tornam difícil a convivência nesse espaço para alguns alunos. Estes têm dificuldades de interromper o assédio porque nem sempre têm acesso aos docentes e gestores que poderiam ajudá-los, seja porque não têm formação para tal ou mesmo porque preferem não se envolver em questões pessoais. O capítulo analisa ainda as características dos envolvidos nos assédios em forma de bullying, tanto agressores como vítimas. As pesquisas analisadas mostraram que as motivações dos praticantes de bullying variam desde retaliação, por já terem sido assim vitimizados, ou por questões sociais, como serem temidos ou até admirados pelas testemunhas da agressão. Já as vítimas se caracterizam pela sociabilidade prejudicada, em virtude da convivência negativa com os pares, que as agridem por serem tímidas, inseguras e não saberem se defender.
Outras características dos alunos que são importantes para a convivência escolar são analisadas, como as habilidades socioemocionais, que contribuem para o clima escolar, na medida em que favorecem a relação entre alunos e professores, diminuindo conflitos e bullying. Nesse sentido, o capítulo aborda também os programas de formação para alunos e para professores voltados para promover a convivência na escola e são analisadas ainda as intervenções para a melhoria dessa convivência, que têm produzido resultados positivos, mas precisam ainda de aperfeiçoamento, como avaliação dos efeitos a longo prazo. A conclusão é que o papel da escola na constituição da sociabilidade é importante por prover a convivência diversificada com pares de idade e origens diversas. Mas, em virtude dessa característica, também a convivência se apresenta como mais conflitiva, favorecendo ocorrências como bullying, e evidenciando a necessidade de intervenções para corrigir esses problemas.
O quarto capítulo é dedicado à análise da convivência no ambiente de trabalho, em termos do assédio que pode ocorrer ali, como o bullying ou o assédio moral, que se caracteriza pela desqualificação frequente de uma pessoa ou por críticas injustas. As pesquisas analisadas mostram que o assédio ocorre mais nos ambientes organizacionais caracterizados pelo maior desequilíbrio de poder entre os setores superiores e os subordinados, o que pode favorecer a injustiça. Nesses ambientes, ocorrem assédios também por desigualdade de gênero e social, que favorecem o desequilíbrio de poder. A análise das pesquisas revistas favorece a conclusão de que o assédio no ambiente empresarial é facilitado pelo desequilíbrio de poder entre as diversas instâncias e pelo nível de organização interna, como a existência de regras de conduta, atribuições dos diversos setores e outros.
O capítulo analisa ainda o ambiente de convivência no setor educacional, considerado um dos mais vulneráveis a esse tipo de problema. Pesquisas realizadas verificaram que o assédio é perpetrado tanto por colegas, em geral mais antigos no local, como por superiores hierárquicos. Professores relatam até bullying, como ridicularização da aparência física, perpetrado por alunos contra os docentes. E, ainda, verifica-se assédio nas universidades, também perpetrado por colegas e superiores hierárquicos, o que confere mais gravidade ao problema pela maior dificuldade de defesa da vítima.

O penúltimo capítulo se dedica à análise da influência da mídia, especialmente as redes sociais, sobre a sociabilidade, cujo impacto é significativo principalmente entre os jovens. É destacado o papel mais ativo do usuário, que insere conteúdos e interage com outras pessoas, resultando em ações que influem em valores, concepções de si e na saúde física e mental, com risco de dependência, tendo em vista o surgimento de comunidades virtuais que pregam o ódio, e estimulam apostas, que devem ser objeto de atenção dos pais e demais educadores. O capítulo finaliza analisando a complexa relação da sociabilidade e as mídias sociais, devido à interferência de muitas variáveis, como características demográficas, culturais e pessoais, sobre o poder da tecnologia.
Finalmente, o último capítulo aponta conclusões favorecidas pelo exame das várias fontes de influência sobre a sociabilidade e traz algumas recomendações aos educadores sobre como proceder para estimular de modo positivo a sociabilidade dos jovens.
Maria Isabel da Silva Leme é psicóloga e docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Além de lecionar, pesquisa aspectos relevantes do processo de aprendizagem, como a sua transferência, por meio da solução de problemas, os conflitos interpessoais, suas influências e suas formas de manifestação, como o bullying que afeta a sociabilidade.