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A semiótica como vacina contra a desinformação

Por Diana Pessoa de Barros, Paolo Demuru, Regina Souza Gomes e Renata Mancini

Em um vídeo publicado em seus perfis de Instagram e Facebook no dia 7 de janeiro de 2025, Marc Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou o fim do Programa de Checagem de Fatos, implantado pela empresa em 2016. Diante deste novo cenário, a difusão de peças desinformativas e discursos de ódio – que, vale lembrar, sempre foi uma das engrenagens fundamentais de seu modelo de negócio – irá se tornar ainda mais intensa. Além de encontrar novos espaços de atuação para a checagem e promover a regulamentação jurídica das plataformas nas instâncias legislativas competentes, o que nos cabe é desenvolver e implementar programas de Literacia Mediática (Media Literacy) que ensinem as pessoas a reconhecer não apenas conteúdos falsos, mas também as estratégias discursivas utilizadas para produzir o efeito de verdade, isto é, para fazer com que as mensagens de texto, os vídeos ou os áudios que recebemos hoje em nossos grupos de WhatsApp pareçam verdadeiros.

Foi esse o norte que guiou a escrita de A construção da verdade, livro que acabamos de lançar pela Editora Contexto. O título reflete um posicionamento preciso: não se trata de mostrar, à guisa dos checadores (eles já fazem muito bem este trabalho), o que é verdade e o que é mentira, mas de revelar os mecanismos linguístico-semióticos que podem levar alguém a crer em um dado discurso ou a confiar em um dado enunciador, seja esse uma pessoa em carne e osso, como um tio, um primo, um vereador, um deputado, ou uma entidade mais complexa, como uma produtora audiovisual que divulga documentários conspiracionistas no YouTube.

A semiótica como vacina contra a desinformação

Para tanto, lançamos mão do arcabouço teórico-metodológico da semiótica discursiva de linha francesa, desenvolvida por Algirdas Julien Greimas e seus seguidores. Ora, para a semiótica discursiva, a verdade não é um problema ontológico (da ordem do “ser” ou do “não ser”), mas de eficácia discursiva (da ordem do “parecer”). A pergunta que ela se coloca não é “por que esta notícia é falsa?”, mas “de que modo, esta notícia, embora falsa, parece verdadeira?”.

Em quatro capítulos, o livro aborda alguns dos principais recursos utilizados para a construção discursiva da crença e da fidúcia, respondendo, entre outras, a perguntas como estas: qual é o papel do discurso em primeira pessoa (“Olá, meu nome é Mario, sou médico e confirmo que no nosso hospital não há pacientes com Covid) e do impessoal e da terceira pessoa (“Estudos recentes demonstram que”) na construção de enunciados aparentemente confiáveis? Como a verdade e a mentira oscilam entre graus e posições diferentes (parecer muito, parecer pouco, quase ser, entre outros)? Existem gêneros e tipologias de discursos desinformativos (spoiler: sim, existem, e no livro analisamos alguns deles, como o falso testemunho e as falsas revisões da História e da ciência, além das clássicas fake news)? Como a hibridação entre discursos diversos contribui para fortalecer a impressão de veracidade de um determinado texto ou para dificultar seu julgamento, causando caos epistêmico e informacional? Como afetos e paixões podem ser usados para construir, corroborar ou até mudar crenças coletivas?

A semiótica é um instrumento analítico e de conscientização social poderoso, que merece cada vez mais espaço e atenção tanto na esfera do debate público, quanto no planejamento de ações finalizadas à alfabetização digital dos cidadãos. Não por acaso, os mais recentes guias de Literacia Mediática da UNESCO a citam, ao lado de outras vertentes dos estudos linguísticos e do discurso, como uma das ferramentas a serem mobilizadas para este fim. “Falta amor no mundo, mas falta também intepretação de texto”, diz um dos bordões mais compartilhados nas redes sociais entre quem se preocupa com a deriva (des)informacional de nossos dias. A construção da verdade é uma pequena contribuição para suprir esta lacuna.

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