Paulo Saldiva retoma sua preocupação com os efeitos das mudanças climáticas, como a ocorrência de chuvas e enchentes, que trazem o risco de doenças infecciosas
Uma das consequências mais visíveis das mudanças climáticas são as enchentes, que têm atingido as mais diversas regiões do País, de norte a sul. De acordo com Paulo Saldiva, isso se deve à mudança de regime de chuvas, que tomam de volta os antigos leitos em torno dos quais as cidades se ergueram. No momento em que a água sobe, quem mais sofre são justamente as pessoas mais vulneráveis. Para piorar a situação, a água que invade as casas vem contaminada com esgoto. “Em alguns lugares, o fluxo do esgoto se reverte e começa a drenar esgoto para dentro das casas e, com isso, você tem uma série de doenças infecciosas por organismos cuja veiculação é aquática”. Um exemplo são doenças como as enteroviroses, as hepatites e a leptospirose.
Um agravante em toda essa situação, relata o colunista, é o acúmulo de poças, o que aumenta em muito a eficiência da transmissão das arboviroses: dengue, zika e chikungunya, que atingiram proporções epidêmicas. “Isso é uma consequência direta das alterações de clima tanto global quanto microclima e isso, digamos, está mudando a geografia dessas doenças. Regiões que antigamente não possuíam risco de dengue, como a região Centro-Oeste, estão entrando na mesma situação […] nós temos um aumento da frequência, como também da distribuição das doenças que são determinadas por vetores, ou seja, insetos que vão transmitir o agente infeccioso, inoculado através das suas picadas”.
Ele conclui: “A gente não precisa de exemplos do urso polar, ou de regiões remotas, para discutir a necessidade premente não só de diminuirmos as emissões de gases de efeito estufa, como também investimentos nas regiões de risco dessas catástrofes climáticas que já estão ocorrendo. Normalmente, quando acontece um dos eventos, nós temos medidas espetaculares de governantes investindo em medidas emergenciais. Mas, de modo geral, o que é feito é muito pouco e infelizmente muito tarde. A saúde humana é um enorme indicador do que já está acontecendo em função do clima aqui, no nosso país, nas nossas cidades e no nosso tempo de vida”.
Fonte: Jornal da USP por Paulo Saldiva
O professor Paulo Saldiva é autor do livro Vida urbana e saúde
Somos um país urbano: 84% da população brasileira concentra-se em cidades e ao menos metade vive em municípios com mais de 100 mil habitantes. Mas a vida urbana não traz apenas novas oportunidades. Ela propicia doenças provocadas por falta de saneamento, picadas de mosquitos, poluição, violência, ritmo frenético… E tudo isso não ocorre mais apenas nas grandes cidades, mas também nas médias e mesmo pequenas, quase sempre negligenciadas pelo poder público e pelos próprios cidadãos. Mas, afinal, o que fazer para ter boa qualidade de vida nas cidades? Assim como o médico deve pensar na saúde dos seus pacientes – e não apenas em tratar determinada doença –, uma cidade saudável é aquela em que seus cidadãos têm boa qualidade de vida. E o médico Paulo Saldiva, pesquisador apaixonado pelo tema, mostra que é possível, sim, melhorar e muito o nosso dia a dia.