Herança de Pinochet: entenda a polêmica constituição Chilena de 1980. Idealizado pelo até então senador Jaime Guzmán, o documento foi redigido em meio à Ditadura, todavia, não sobreviveu as recentes manifestações.

Entre 1973 e 1990, o Chile viveu um dos períodos mais emblemáticos de sua história, conhecido por forte presença militar e pelo autoritarismo. Durante a Ditadura de Augusto Pinochet, o país acompanhou intensas perseguições e repressões.
Foi na mesma época que o governo criou a Constituição chilena de 1980, idealizada pelo então senador de extrema direita Jaime Guzmán. No dia 11 de setembro de 1980, um plebiscito bastante polêmico aprovou o texto, que só viu uma mudança ontem, 25 de outubro.
Criada durante um regime tão contraditório, a Constituição é constantemente criticada por diversos grupos chilenos, que pedem pela modificação da Carta Magna. Mas, afinal, por que o texto escrito durante a Ditadura sobreviveu durante tanto tempo?
Poder em mãos
Tudo começou naquele ano de 1980, quando Jaime Guzmán decidiu criar uma Constituição que garantisse o poder às camadas mais conservadoras da sociedade. Mesmo que saíssem da liderança, elas ainda teriam suas vontades previstas por lei.
Com essas ambições, então, o texto foi redigido de uma forma que dificulta quaisquer alterações. Sendo assim, caso a Ditadura chegasse ao fim, os governos seguintes precisariam de um quórum bastante elevado para modificar alguma legislação. Algo inacreditável em pleno 2020.
Ainda nesse sentido, a Constituição chilena de 1980 também previa um sistema eleitoral binominal de deputados e senadores. Entre muitas outras, a legislação reforçou mais ainda a supressão de partidos políticos, favorecendo apenas os partidos de direita.
Dificuldade de movimentação
Ao fim do governo de Pinochet, o Chile voltou a ser governado por partidos democráticos, não mais por um regime autoritário. Os novos líderes, no entanto, tiveram de aceitar a Constituição já vigente, ainda que ela tivesse sido escrita na Ditadura.
Desde 1980, então, a Carta Magna acabou sofrendo diversas emendas. Em 2005, por exemplo, uma grande reforma no texto retirou múltiplos princípios antidemocráticos do documento. Ficou decidido, por exemplo, que os senadores passariam por eleições.
Mais tarde, a socialista Michelle Bachelet, em seu segundo mandato presidencial, fez com que a eleição binominal fosse trocada por um sistema proporcional moderado. Assim, ela acabou por garantir uma maior representação de diversas forças políticas.
Próximos capítulos
Em 2018, o próprio presidente Sebastián Piñera afirmou que não permitiria a revisão do projeto de lei que pede pela reforma da Constituição, apresentado por Bachelet.
Os protestos populares no Chile começaram no final do ano passado, quando manifestantes protestaram contra o aumento do de preço das tarifas de transporte público. Com isso, o governo até chegou a endurecer a onda de manifestações com a Lei de Segurança de Estado, mas nem isso conteve o comportamento do povo.
O presidente Sebastián Piñera até voltou atrás pedindo perdão, e finalmente cancelou o aumento, mas, a resposta foi essa: o Chile permaneceu em chamas, em busca de mais. No último final de semana, os atos completaram um ano. A data foi marcada com incêndio causado por alguns manifestantes em duas Igrejas na Praça Itália.
Agora, com um forte movimento de manifestantes, que têm diversas reivindicações, o governo chileno convocou plebiscito para estudar a redação da Constituição. Um ato histórico que derruba a herança da ditadura marcada por episódios insólitos.
A aprovação tende visar a participação equitativa de mulheres na formulação da nova Constituição, e também a diminuir a desigualdade social no país que, apesar de deter a maior renda per capita da América Latina, é um fator social muito marcante no Chile.
Resta, então, acompanhar os próximos desdobramentos dessa saga legislativa.
Fonte: Aventuras na História