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A perspectiva de sujeitos de nossos tempos

Este livro nasce portando uma novidade necessária: repensar as subjetividades presentes nos mais diversos contextos educativos que fazem parte de nosso tempo e lugar, de nosso presente digital e tecnocrático. A constituição subjetiva e pessoal de nossos bebês, crianças, adolescentes e jovens não é mais a mesma de gerações anteriores. Constituir-se professor ou professora nesses tempos também não se dá mais da mesma forma.

Conhecemos muitos livros sobre Psicologia Educacional ou Psicologia da Educação que são referência na área, tradicionalmente editados, mas o mesmo não se pode dizer daqueles que se debruçam em compreender a constituição subjetiva em um mundo global, digital e performático; em uma sociedade mais hedonista, consumista e virtual; em uma cultura cada vez mais juvenilizada, narcisista, espetacular e com intimidades tão expostas. O mundo mudou, e tanto a Psicologia quanto a Educação também mudaram.

A perspectiva de sujeitos de nossos tempos

Com o advento da era digital, entendemos que a própria ideia de sujeito se alterou profundamente, exigindo que a Psicologia Educacional revise seus saberes, práticas e teorizações. Hoje, o sujeito contemporâneo é cada vez menos determinado pelas tradições, repressões e metanarrativas que o conduziram até meados do século XX. A contracultura juvenilizada dos anos 1960-1970, a explosão do consumo, as lutas identitárias e, sobretudo, a digitalização da vida nas décadas seguintes liberaram os sujeitos dos ditames da tradição. Desde idade muito precoce, hoje esses sujeitos manejam games, smartphones, aplicativos virtuais e os chamados gadgets tecnológicos, que exigem outras maneiras de desenvolvimento, aprendizagem, formação moral e relações afetivo-emocionais.

As redes sociais, com sua hiperexposição quase sem limite de intimidades, opiniões, acossamentos, e também as exigências de rendimento e performance oriundas da globalização neoliberal e das tecnociências, têm contribuído fortemente para criar uma sociedade hedonista, centrada no prazer imediato, em que prevalecem as imagens ante o real da experiência ou ante os valores simbólicos das instituições modernas, incluindo as educativas. Isso vem produzindo novos modos de subjetivação, ou seja, novas formas de ser sujeito no mundo contemporâneo, sobretudo, no Ocidente, em que se pode assistir a uma transformação sem igual do laço social, das relações políticas e também geracionais.

Devemos reconhecer que essa transformação é um fato incontestável em nossa “civilização pós-moderna”. Os valores políticos, sociais, institucionais que serviram de pilares para um modo de ser da modernidade em nossas sociedades ocidentais declinaram. Ideais como república, democracia, justiça social, liberdade, fraternidade, igualdade se encontram severamente desgastados, erodidos, desafiados, quando não ameaçados. Podemos suspeitar que a crise de caráter político do mundo atual também consiste, fundamentalmente, numa crise dos valores modernos. Um desencanto com tais valores se generaliza hoje, pois notamos como uma sociedade regida pelo Estado Democrático de Direito assiste ao solapamento das instituições sociais que já não são capazes de renovar o fio rompido da tradição, de restaurar os velhos organismos políticos, tampouco de fundar novos.

Com a conquista da virtualidade, esse solapamento se acelerou e uma ruptura histórica se deu. O mundo se transformou e pluralizou radicalmente as maneiras de ser. Multiplicaram-se as diversidades. Os sujeitos do século XXI mostram muitas diferenças em relação àqueles dos séculos precedentes.

A proposta deste livro é, portanto, evocar uma Psicologia Educacional que faça dialogar as tradicionais teorizações do campo, já consagradas, com as novas formas de constituição subjetiva nesses tempos de pós-modernidade virtual e imagética. Será uma maneira de atualizar os próprios saberes e práticas da Psicologia Educacional de acordo com o psiquismo de nosso tempo e debatê-lo com a sociedade em geral. Tudo isso é muito recente, e só agora começamos a descortinar alguns saberes preliminares para interpretar o psiquismo.


Maria de Fátima C. Gomes é psicóloga e doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com estágio doutoral na University of California, Santa Barbara. Realizou pós-doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp). É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e professora titular da Faculdade de Educação da UFMG.

Marcelo Ricardo Pereira é psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), psicanalista pela Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e Estados Gerais da Psicanálise (EGP) e doutor em Psicologia e Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio doutoral na Université Paris 13.

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