O que haveria de novo sobre o conflito entre árabes e israelenses? Por ser um dos embates mais discutidos do planeta, e por provocar fortes emoções entre árabes e judeus, cristãos e muçulmanos, historiadores, acadêmicos, políticos e diplomatas, seria possível afirmar que tudo já foi minuciosamente examinado e discutido.
Quase 70 anos de tentativas fracassadas no sentido de resolver a contenda, incluindo 30 anos de negociações de paz, deixaram uma profusão de livros, artigos, discursos, testemunhos e trajetórias despedaçadas.
Contudo, como descobrimos em nossa jornada intelectual, política e histórica nos últimos anos, ainda há, na verdade, muito a ser dito.
Nós dois viemos da esquerda política de Israel. Einat foi membro do Parlamento pelo Partido Trabalhista, trabalhou perto e assessorou alguns dos mais conhecidos líderes de Israel no campo da paz, entre eles Shimon Peres e Yossi Beilin, o autor dos Acordos de Oslo. Adi trabalhou por uma década no conhecido jornal diário progressista de Israel Haaretz, identificando-se com a esquerda política israelense.
Temos defendido com veemência a solução dos dois Estados e apoiado todos os principais esforços para alcançar a paz baseados nessa proposta. Assim como muitos israelenses, crescemos acreditando que os palestinos desejavam exatamente o mesmo que os judeus – o direito à autodeterminação em um Estado próprio. Acreditávamos que, quando os palestinos pudessem estabelecer seu próprio Estado na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza, haveria paz.
Para nós e para muitos israelenses, especialmente da esquerda política, os anos 1990 foram de grande esperança. Eram os anos dos Acordos de Oslo e do início do processo de paz. Na primeira eleição em que pudemos votar, em 1992, apoiamos o governo trabalhista liderado por Yitzhak Rabin. Foi esse governo que realizou os Acordos de Oslo em 1993 com a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e assinou um acordo de paz com a Jordânia em 1994. Apesar dos terríveis ataques suicidas perpetrados pelos palestinos contra civis israelenses – após a assinatura dos Acordos de Oslo – e do assassinato de Rabin, os israelenses mantiveram a esperança na paz. Esses israelenses deram a Ehud Barak uma vitória esmagadora sobre Benjamin Netanyahu em 1999. Como eles, acompanhamos com expectativa a ida do primeiro-ministro Barak a Camp David, no verão de 2000, para cumprir sua promessa eleitoral de assinar um acordo final de paz com os palestinos.
No entanto, como muitos da esquerda israelense, fomos ficando aturdidos à medida que os repetidos esforços para alcançar um acordo entre israelenses e palestinos falhavam, apesar das propostas apresentadas estarem alinhadas com o que os palestinos diziam buscar. O fato de eles virarem as costas para duas oportunidades concretas e recentes – em 2000 e 2008 – de fundar seu próprio Estado, livre de assentamentos, na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza, com uma capital em Jerusalém Oriental, nos deixou com sérias dúvidas. Acreditávamos que um povo que busca a independência e um Estado próprio abraçaria a oportunidade quando ela se apresentasse.
Ocorre que não somente deixaram de aproveitar essas oportunidades de fazer a paz com Israel e ter um Estado próprio, como iniciaram, quase imediatamente após Yasser Arafat ter deixado a cúpula de paz de Camp David no verão de 2000, a Segunda Intifada: uma série de massacres brutais cometidos por homens-bomba em ônibus, cafés e ruas por toda Israel.
E assim, passamos a duvidar cada vez mais de nossos pressupostos básicos sobre o conflito entre israelenses e palestinos – que seria um conflito territorial passível de ser solucionado com a repartição da terra em dois Estados; que os palestinos apenas desejavam um Estado próprio nos territórios; e que a ocupação israelense e os assentamentos eram o principal obstáculo à paz. Então nos perguntamos: O que houve de errado? Será que havia algo mais profundo que não conseguíamos perceber? Essas questões nos levaram a um processo de busca interior e, mais importante, de pesquisa e investigação dos fatos.
O que descobrimos realmente surpreendeu a ambos. Embora visível a todos por décadas, uma das questões centrais do conflito tem estado totalmente fora do radar tanto dos israelenses quanto dos pacificadores ao redor do mundo.
A questão dos refugiados palestinos – e a exigência de árabes e palestinos para que esses refugiados possam exercer o que denominam “direito de retorno” – atrai pouca atenção. Nem os líderes de Israel, nem o seu povo, e certamente nem a comunidade internacional, investem muito tempo discutindo essa questão; ao contrário do que acontece com outras questões centrais. Há, por exemplo, discussões infindáveis sobre os assentamentos e a ocupação militar dos territórios, certamente temas importantes; mas a questão do refugiado palestino mal e mal recebeu algum debate substancial. Não houve tentativas sérias para uma solução ou mesmo esforços para colocar essa questão em pauta. O problema, apesar de ser sempre mencionado como um dos centrais do conflito, tem sido essencialmente obscurecido, relegado à margem, postergado para quando todas as outras questões estiverem resolvidas.
No entanto, descobrimos que, de todos os problemas centrais, o tópico do refugiado talvez seja o que de fato merece estar na primeira posição. Nossa pesquisa revelou que a questão do refugiado palestino não é apenas um ponto a mais no conflito; ela é provavelmente a questão. A concepção dos palestinos de si próprios como “refugiados da Palestina” e sua exigência no sentido de exercer o chamado “direito de retorno” refletem suas mais profundas crenças sobre a relação com a terra e a disposição ou recusa de compartilhar qualquer parte dela com os judeus. Ademais, o apoio estrutural das Nações Unidas, bem como o apoio financeiro do Ocidente a essas crenças palestinas levaram à criação de uma população permanente e cada vez maior de refugiados palestinos e ao que é agora um obstáculo quase intransponível para a paz.
A exigência palestina para “retornar” ao que se tornou o Estado soberano de Israel em 1948 é uma prova da rejeição palestina à legitimidade de um Estado para os judeus, em qualquer parte de sua pátria ancestral. Nossa pesquisa nos levou a concluir que praticamente nada pode ser entendido sobre a posição palestina no processo de paz e no conflito em si – e nenhum passo efetivo poderia ser tomado na direção de sua solução – sem investigar profundamente esse assunto.
Percebendo isso, decidimos pesquisar, analisar e descrever essa questão desde seu início real, na guerra de 1948, até os dias atuais. Seguindo figuras históricas importantes, desvendando novos documentos, examinando e analisando pontos-chave de decisões, este livro indaga e responde a questões importantes sobre esse ponto fundamental e esquecido. Por que ainda existem palestinos “refugiados” de uma guerra que terminou há 70 anos? Por que os palestinos insistem que cada um dos refugiados palestinos, por gerações até a eternidade, tem um direito individual e, na verdade, “sagrado”, de retornar ao Estado soberano de Israel, apesar de não haver bases legais concretas para isso? Quem e o que impediu os refugiados palestinos de serem readaptados, como foram os refugiados judeus de 1948? Foi falta de interesse ou de dinheiro, ou havia outros motivos, ideológicos? O “direito de retorno” é uma exigência real ou apenas uma moeda de troca palestina, que pode ser negociada quando outras exigências forem obtidas? Quando os palestinos marcham pelo “retorno” desde Gaza em direção a Israel, pelo que exatamente estão marchando? O que significa um “direito de retorno” no contexto de um amplo acordo de paz? E se essa exigência é real, nós podemos seguir em frente? E em caso afirmativo, como?
Ao responder a essas questões, este livro conta uma trágica história da política ocidental, que atira repetidamente no próprio pé e trabalha com objetivos desconexos. O livro explora como a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA, na sigla em inglês – United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East), encarregada de cuidar dos refugiados palestinos originários no imediato pós-guerra e que tem sido sustentada há décadas por fundos ocidentais com bilhões de dólares, tornou-se, em vez disso, um dos principais obstáculos à paz e um veículo de perpetuação do conflito.
Chegando à conclusão de que, a cada passo histórico, a UNRWA é parte do problema e não parte da solução, fazemos um apelo à comunidade internacional para desmantelar e substituir a agência. Para essa finalidade, nosso livro oferece propostas políticas específicas sobre como obter esse fim, sem privar os palestinos dos serviços sociais atualmente fornecidos pela UNRWA.
Este livro também desafia o pensamento tradicional sobre o papel dos diplomatas e negociadores em conflitos prolongados. Embora a perspectiva tradicional os veja como autoridades que fazem o trabalho de pacificadores alternando-se entre as capitais, forçando os lados relutantes a encarar concessões contra as quais têm fortes resistências, A guerra do retorno defende que, para serem efetivos, esses diplomatas e negociadores devem, em primeiro lugar, analisar corretamente as raízes do conflito e, então, trabalhar continuamente para remover os reais obstáculos que impedem o caminho da paz.
Nosso livro demonstra que, no caso de Israel e dos palestinos, décadas de idas e vindas, com os lados fortemente armados e horas infindáveis de negociações, resultaram em nada, porque nenhum dos diplomatas ou negociadores entendeu verdadeiramente e lidou com as raízes básicas do conflito, escolhendo, em vez disso, desviar-se e concentrar-se naquilo que parecia mais fácil. Como dizem os sábios judeus, não se espera que completemos a tarefa, mas tampouco podemos evitá-la. Assim, os diplomatas e negociadores devem abandonar as buscas infrutíferas por uma falsa pacificação em favor do trabalho árduo realmente necessário para a obtenção da verdadeira paz.
Nosso interesse na paz entre israelenses e palestinos e entre israelenses e árabes não é teórico. Ambos vivemos e construímos famílias em Israel. Estar em um Estado permanentemente em guerra com os palestinos e com o mundo árabe significa que, todo dia, há a perspectiva de um ente querido ser ferido ou morto por causa do conflito, além do fato de criarmos nossos filhos sabendo que eles deverão se juntar ao exército e enfrentar a guerra e, possivelmente, a morte. A paz, para nós, não é um tema leve de conversa à mesa de jantar, mas uma necessidade existencial. É nossa grande esperança que este livro possa contribuir de forma significativa para uma paz real e duradoura.
Iniciamos a obra abordando os eventos que antecederam e envolveram a guerra de 1948. Da primeira guerra entre árabes e israelenses, Israel emergiu como um Estado independente e os árabes, como derrotados e deslocados. Essa foi também a guerra da qual duas populações refugiadas despontaram: centenas de milhares de refugiados judeus que deixaram ou foram forçados a deixar as terras árabes durante aquele período e viram-se rapidamente absorvidos por Israel ou outros países e iniciaram suas vidas como cidadãos; e centenas de milhares de refugiados palestinos que deixaram ou foram forçados a deixar o que veio a ser Israel e permanecem, 70 anos depois, através de gerações, como refugiados deslocados. Frequentemente se argumenta que as circunstâncias da criação do problema do refugiado palestino foram tão singulares, tão incomparáveis no seu escopo e brutalidade que perduram até hoje. Mas, realmente, é esse o caso? Iniciamos esse livro com uma extensa e cuidadosa análise histórica e com comparações internacionais para responder a essa questão fundamental.
Adi Schwartz é jornalista, pesquisador e escritor. Estudou História Europeia na Universidade de Tel Aviv e possui mestrado em Ciência Política pela Universidade de Bar-Ilan, também em Israel. Seu trabalho se concentra em assuntos relacionados ao conflito árabe-israelense, na história de Israel e em temas atuais.
Einat Wilf é PhD em Ciência Política pela Universidade de Cambridge e uma das mais importantes intelectuais públicas de Israel. Foi membro do Parlamento israelense entre 2010-2013, pelo Partido Independência e pelo Partido Trabalhista, e atuou como assessora de política externa de Shimon Peres. Publicou outros seis livros que tratam de questões centrais para a sociedade israelense.