Por Carlos Daróz
A Editora Contexto promove o lançamento do meu mais recente livro, dentro da coleção Temas Fundamentais. A obra é dedicada à Primeira Guerra Mundial, conflito que, entre 1914 e 1918, alterou de maneira decisiva o curso da história contemporânea. Mais do que um confronto militar de proporções inéditas, a chamada Grande Guerra foi um acontecimento total, capaz de mobilizar exércitos, indústrias, economias e sociedades inteiras, marcando a entrada definitiva da humanidade na era da guerra industrial.
O ponto de partida da narrativa está no cenário de transformações trazidas pela Segunda Revolução Industrial. Nas décadas que antecederam 1914, o desenvolvimento de novas tecnologias, a intensificação das disputas coloniais e a formação de alianças militares complexas criaram um equilíbrio instável. Um atentado em Sarajevo serviu de estopim, mas o barril de pólvora já estava pronto: nacionalismos exacerbados, rivalidades econômicas e políticas expansionistas fizeram com que a crise local se transformasse rapidamente em uma guerra de escala global.

A Primeira Guerra foi marcada pelo uso sistemático das chamadas “tecnologias da morte”. Jamais a ciência e a indústria haviam sido colocadas tão intensamente a serviço da destruição: gases tóxicos capazes de ceifar vidas silenciosamente, metralhadoras de alta cadência, artilharia de longo alcance que varria vilarejos inteiros, tanques de guerra rompendo as trincheiras e aviões que levaram a disputa para os céus. O resultado foi devastador: cerca de 10 milhões de mortos e um número ainda maior de feridos, mutilados e deslocados, além de um profundo impacto psicológico que ficaria conhecido como choque de guerra, atualmente chamado de transtorno de espectro pós-traumático.
O fim do conflito trouxe mudanças irreversíveis. Quatro grandes impérios desapareceram do mapa — Russo, Alemão, Austro-Húngaro e Otomano — dando lugar a novas fronteiras e rearranjos políticos que moldaram a geopolítica do século XX. Tratados como o de Versalhes redesenharam o mapa europeu, mas também semearam ressentimentos que, duas décadas depois, desembocariam na Segunda Guerra Mundial. Ainda hoje, questões surgidas naquele período continuam a influenciar o cenário internacional, do Oriente Médio às fronteiras do Leste Europeu.
Este livro é resultado de anos de pesquisa, desenvolvidos tanto no Brasil quanto na Europa. No Brasil, investiguei como o conflito foi percebido por intelectuais, militares e pela imprensa, e como o país se inseriu, mesmo à distância, nas redes de informação e propaganda da época. Na Europa, percorri arquivos, bibliotecas e museus na França, Bélgica, Alemanha, Luxemburgo, Países Baixos e Inglaterra, além de visitar campos de batalha preservados que guardam a memória dos combatentes. Essa experiência direta com fontes e lugares permitiu articular uma visão abrangente, que une a grande história, dos altos comandos e tratados internacionais, à micro-história do cotidiano de soldados e das populações civis.
A obra foi pensada para um público amplo, que pode servir ao leitor especializado, interessado em debates historiográficos e análises de contexto, mas também ao leitor geral, que busca compreender melhor as origens e o impacto de um conflito que moldou o mundo contemporâneo. Optei por uma narrativa clara, evitando a linguagem técnica, mas sem abrir mão do rigor acadêmico. Há, assim, espaço tanto para a exposição dos fatos, quanto para reflexões críticas sobre o legado da guerra.
Entre os diferenciais da obra, destaco a preocupação em inserir a Primeira Guerra no contexto global, fugindo da visão exclusivamente eurocêntrica. Embora as trincheiras da França e da Bélgica sejam o símbolo mais conhecido, o conflito teve repercussões na África, no Oriente Médio, na Ásia e até mesmo na América Latina. Essa abordagem permite compreender que a Grande Guerra não foi apenas “europeia”, mas verdadeiramente mundial.
Escrever este livro também foi um exercício de memória e de responsabilidade histórica. Ao lidar com documentos originais, relatórios, diários, cartas e fotografias, é impossível não se confrontar com a dimensão humana do conflito, as esperanças, os medos e as perdas irreparáveis vividas por milhões de pessoas. A guerra não foi feita apenas de datas e tratados, mas de histórias individuais reais, que, somadas, compõem o drama coletivo do início do século XX.
Publicar este trabalho na coleção Temas Fundamentais significa inseri-lo em um projeto editorial comprometido em oferecer ao público obras que abordam temas centrais para a compreensão da humanidade. A Primeira Guerra Mundial, mais de um século depois, continua a ser uma chave interpretativa essencial para entendermos o mundo atual. As transformações geopolíticas, tecnológicas e sociais iniciadas naquele período continuam a reverberar, e conhecer sua história é também uma forma de refletir sobre os desafios do presente e as escolhas que moldarão o futuro.
Convido o leitor a embarcar nesta jornada pela história da Grande Guerra. Muito além de uma narrativa sobre batalhas e estratégias, o livro é um convite a compreender as raízes de nosso tempo. Ao percorrer essas páginas, espero que o leitor perceba que o estudo da Primeira Guerra não é apenas uma visita ao passado, mas uma ferramenta para compreender o presente e pensar criticamente o futuro.
Carlos Daróz é historiador, professor e pesquisador. Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense e pela Université Libre de Bruxelles, com pesquisa fomentada pelo Programme Erasmus+ da União Europeia. Atuou em instituições ligadas à História Militar no exterior (Lisboa, Cabo Verde e EUA). É pesquisador-chefe do Centro de Estudos e Pesquisa de História Militar do Exército. Pela Contexto, publicou O Brasil na Primeira Guerra Mundial e Primeira Guerra Mundial.