Lançamos há algum tempo o livro Pandemias: a humanidade em risco, do médico infectologista Stefan Cunha Ujvari. Já naquela época ele falava sobre os perigos do vírus Chikungunya, transmitido também pelo mosquito Aedes aegypti (popularmente conhecido como mosquito-da-dengue), que poderia a qualquer momento chegar ao Brasil.
A febre Chikungunya foi identificada inicialmente em dezembro no lado francês de Saint Martin. Desde então, já se espalhou para sete outros países, segundo as autoridades. Já houve 3.700 casos confirmados ou suspeitos da doença.
É a primeira vez que a doença foi contraída localmente no hemisfério ocidental. Especialistas dizem que as condições estão propícias para o vírus chegar à América Central e do Sul.
“Quando uma doença se desloca de um continente para outro, é um fato importante”, disse C. James Hospedales, diretor-executivo da Agência Caribenha de Saúde Pública, em Trinidad. “A febre Chikungunya chegou para ficar? É provável que sim.”
O vírus Chikungunya provoca febre alta e dores musculares, sintomas semelhantes aos da dengue, que afeta o Caribe há vários anos. Enquanto a dengue pode ser fatal, a febre Chikungunya raramente o é. Mas especialistas disseram que os efeitos da Chikungunya, como a dor nas articulações, tendem a durar mais tempo, podendo prolongar-se por meses. Ann Powers, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças em Atlanta, disse que surtos da doença em outros países deixaram pessoas incapacitadas devido à forte dor nos pulsos e tornozelos.
O vírus já foi detectado também nas Ilhas Virgens Britânicas, na Dominica, na Guiana Francesa, em Guadalupe e em Saint Barthélemy. “Não há dúvida de que ela tem o potencial de chegar a muitos outros lugares no hemisfério ocidental”, disse Powers.
O Chikungunya foi identificado pela primeira vez na Tanzânia, em 1952. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, desde 2005 quase 2 milhões de casos foram informados na Índia, na Indonésia, nas Maldivas, em Mianmar e na Tailândia. Houve epidemias da doença na ilha francesa de Reunião, a leste de Madagascar, em 2006, e no norte da Itália, em 2007.
Confira abaixo um trecho do livro que fala sobre o Chikungunya
Tudo começou na costa leste da África. A população de Lamu, cidade litorânea do Quênia, enfrentou períodos quentes e secos nos primeiros anos do século XXI. Parecia que o tão falado aquecimento global chegava às costas orientais africanas. Os satélites mostravam rarefação da vegetação da região, o que refletia anos de secas.
Durante esse período, os moradores da cidade armazenaram a escassa água em reservatórios improvisados. Além disso, riachos e lagoas secaram criando poças de água parada nas proximidades de Lamu. Essas hipóteses explicam a proliferação do Aedes aegypti na região: as fêmeas dos mosquitos depositaram ovos nas águas. O Chikungunya (CHIKV) chegou à cidade vindo do interior e, ejetado da saliva dos mosquitos, causou epidemia entre os habitantes da cidade. Homens, mulheres e crianças foram acamados pelos sintomas da doença, dores e inflamações articulares. Uma epidemia de artrites restringiu a rotina de Lamu: 75% da população adoeceu.
Não demorou para que a epidemia do CHIKV atingisse a cidade de Mombasa, distante pouco mais de 200 km ao sul. O vírus deslizava pela costa queniana. Um turista infectado poderia ter vindo ao Brasil, e ao surgirem os sintomas, grande quantidade de vírus já estaria circulando pelo seu sangue. Nesse momento, um dos nossos Aedes que sugasse seu sangue adquiriria o CHIKV. A partir de então, a saliva do Aedes recém-infectado poderia transmitir o vírus para a próxima pessoa sadia em que cravasse sua tromba. Um novo doente e novos mosquitos contaminados. A epidemia brasileira estaria iniciada. Outra possibilidade seria os mosquitos infectados das áreas afetadas virem nas embarcações marítimas. Se isso acorrer, a mídia divulgará, então, notícias sobre o novo vírus, Chikungunya, que acompanhará o da dengue nos verões brasileiros.
Quanto mais áreas do planeta acometidas pelo CHIKV, maior a probabilidade de um turista trazer a doença ao Brasil, e, nesse caso, a epidemia de 2004 foi apenas o começo. Viajantes levaram o vírus para regiões do sudeste da África. As ilhas Comoros, sua vizinha Mayotte, no estreito de Moçambique, e Seychelles, mais ao norte, testemunharam a chegada do vírus pelas embarcações da costa africana. A epidemia pelo CHIKV castigou suas populações na primeira metade de 2005. O saldo da doença: o vírus acometeu cerca de 60% da população de Comoros e um quarto da de Mayotte. A epidemia se derramava pelo Índico. Navios levaram o vírus para Madagascar, que estava na sua rota de colisão. Até então, o vírus era transmitido pelo Aedes aegypti que co-habitava o domicílio de nativos dessas regiões.
Os próximos alvos da epidemia seriam as terras ao leste de Madagascar. As ilhas Maurício, no passado, abrigavam o dodô, ave de quase um metro de altura que evoluiu com atrofia das asas e incapacidade de voo, pois não precisava voar enquanto vivia nas ilhas sem predadores. Porém, navegadores europeus descobriram o território e desembarcavam no litoral a partir do século XVI. O pássaro apetitoso e fácil de capturar se apresentou aos europeus, que passaram a caçá-lo. Além disso, porcos, gatos e roedores vieram com os europeus e atacavam seus ovos. Em pouco tempo, o dodô foi o primeiro registro de animal extinto pelas mãos humanas. Agora, as ilhas Maurício eram invadidas pelo CHIKV. O mesmo destino coube à vizinha, ilhas Reunião, que também fora local de descanso para navegadores holandeses, portugueses e franceses nos séculos das grandes navegações. Fornecia repouso e água fresca para as tripulações. Além disso, europeus enchiam os porões das embarcações com tartarugas marinhas capturadas no litoral de Reunião. Esses répteis serviam de alimento no prosseguir das viagens. Reunião, agora, também era palco da epidemia catastrófica causada pelo CHIKV. O vírus mostrava seu poder de adaptação. Nenhuma das ilhas era colonizada pelo Aedes aegypti, porém, o vírus não se intimidou e adaptou-se ao mosquito florestal Aedes albopictus. As epidemias duraram até 2006, com cerca de um terço dos 770 mil habitantes de Reunião acometidos pelo CHIKV.
Nesse momento, o vírus utilizava ambas as espécies de mosquitos Aedes. Enquanto a epidemia rumava pelas terras banhadas pelo Oceano Índico, escapávamos desse risco por pouco. Nenhum turista infectado chegou ao Brasil, diferente do que ocorreu na Europa. Em 7 de julho de 2006, médicos franceses foram alertados de que a dengue e o chikv seriam doenças de notificação compulsória. Os casos suspeitos deveriam ser informados imediatamente às autoridades de saúde. O motivo? Nos
primeiros meses de 2006, conforme a epidemia crescia em Reunião, turistas franceses retornaram infectados da ilha. Até a metade do ano já eram mais de 700 doentes pelo chikungunya nas cidades francesas. As autoridades de saúde receavam o surgimento da epidemia em solo francês, porque sabiam da existência de Aedes albopictus em áreas ao sul da nação. O ocorrido na França revela o enorme risco que corremos: basta um turista brasileiro. Por sorte francesa, os doentes se recuperaram antes que pudessem ser picados por algum mosquito europeu.
Além disso, médicos franceses se assustaram com a presença da doença em uma enfermeira de 60 anos. A senhora foi chamada à residência de outra idosa que retornara das ilhas Reunião em janeiro de 2006. A paciente apresentava sintomas causados pelo CHIKV e febre de 40ºC. A enfermeira colheu seu sangue e, após retirar a agulha do braço, pressionou o algodão no local da punção. O efêmero contato com o sangue foi o suficiente para que, em três dias, a enfermeira apresentasse sintomas da doença. Isso mostrava a enorme quantidade viral que circulava no sangue da doente. Seria muito fácil um mosquito adquirir o vírus e deslocar a epidemia para a Europa. No Brasil, o risco é considerável.
Leia o capítulo na íntegra (em PDF)
https://editoracontexto.com.br/blog/wp-content/uploads/2014/02/PANDEMIAS.pdf
Parabéns aos organizadores, gostei muito do livro, vai servir para mostrar aos agentes de endemias.
Abraço.
Duarte.
Currais Novos – RN.