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A estabilização econômica como uma credencial da política externa

O ponto de partida indispensável para compreender a reorientação da política externa brasileira, a partir de meados da década de 1990, é o impacto transformador do Plano Real. Lançado em sua plenitude em julho de 1994, ainda no final do governo Itamar Franco, mas sob a condução de Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda, o plano representou um marco fundamental na história econômica e social do Brasil. Seu sucesso em debelar a hiperinflação crônica, que por mais de uma década havia assolado o país, foi quase imediato e duradouro.

A introdução da nova moeda, o real, ancorada a princípio em uma paridade próxima ao dólar e sustentada por um conjunto de medidas de ajuste fiscal (ainda que parciais inicialmente) e de política monetária mais restritiva, quebrou a inércia inflacionária e restaurou a previsibilidade econômica.

Os efeitos foram profundos e multifacetados. Internamente, o fim da hiperinflação gerou um ganho expressivo no poder de compra da população, especialmente das camadas de mais baixa renda que não tinham acesso a mecanismos de proteção financeira, levando a uma redução inicial da pobreza e a um boom de consumo. A estabilidade de preços permitiu a retomada do planejamento por parte das famílias e das empresas, estimulando o investimento produtivo e o crescimento econômico nos primeiros anos do plano.

A estabilização econômica como uma credencial da política externa

A popularidade decorrente do sucesso do real foi o principal trunfo que elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso em primeiro turno em 1994 e 1998, conferindo-lhe um capital político significativo para levar adiante sua agenda de governo, incluindo as reformas constitucionais e a política externa.

Externamente, o Plano Real teve um impacto igualmente crucial. A estabilização da economia restaurou a credibilidade internacional do Brasil. O país deixou de ser visto como o “gigante de pés de barro”, cronicamente instável e imprevisível, e passou a ser percebido como um mercado emergente promissor, com uma economia em processo de modernização e um governo comprometido com a responsabilidade fiscal e a abertura econômica iniciada no período anterior. Essa nova percepção foi imprescindível para a reintegração do Brasil aos fluxos financeiros internacionais.

O país voltou a ter acesso a crédito externo em condições mais favoráveis e, sobretudo, tornou-se um dos principais destinos de Investimento Estrangeiro Direto (IED) no mundo emergente durante a segunda metade da década de 1990.

A entrada maciça de IED foi estimulada não apenas pela estabilidade, mas também pela continuidade do programa de privatizações (agora abrangendo setores estratégicos, como telecomunicações, energia e mineração) e pela própria abertura comercial e financeira. Esse influxo de capital ajudou a financiar o déficit em conta corrente (gerado em parte pela valorização cambial inicial do real) e a modernizar setores da economia brasileira.

Essa combinação de estabilidade macroeconômica, fluxo de investimentos e capital político conferido pelo sucesso do plano criou a plataforma indispensável para uma política externa mais assertiva, estratégica e consistente. Pela primeira vez em muitos anos, o governo brasileiro dispunha de condições mínimas de previsibilidade interna e de uma imagem externa positiva, que lhe permitiam olhar para além da gestão de crises imediatas.

A estabilidade econômica liberou recursos (ainda que limitados) e, mais importante, a atenção da alta administração para a formulação de uma estratégia de inserção internacional de mais longo prazo. A credibilidade restaurada abriu portas em fóruns multilaterais, bem como facilitou o diálogo com as grandes potências e outros parceiros.

O governo podia agora negociar a partir de uma posição de maior fortaleza relativa, em discussões comerciais, financeiras ou políticas. A própria figura de Fernando Henrique Cardoso, um sociólogo de renome internacional antes de se tornar político, contribuiu para essa nova projeção, conferindo um verniz intelectual e cosmopolita à liderança brasileira.

Em suma, o Plano Real não foi só um plano econômico; foi também o alicerce sobre o qual se pode analisar a busca brasileira por uma capacidade maior de ação estratégica no cenário internacional, fornecendo os meios materiais e simbólicos para que o país buscasse um novo lugar no mundo.


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Parte da coleção Relações Internacionais, este é o 16º volume da série e oferece uma interpretação crítica e historicamente fundamentada da inserção do Brasil nas Relações Internacionais. A obra analisa os principais eventos e decisões que marcaram esse percurso, os processos de longa duração, as continuidades e as inflexões que moldaram a capacidade de ação do Estado, suas interações com a sociedade brasileira e sua projeção no sistema internacional.

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