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A Antiguidade como lição para o mundo atual

“Cem Textos de História Antiga”, organizado por Jaime Pinsky, ganha edição comemorativa por seus 50 anos e mostra como é importante ter uma visão histórica dos fatos, e não uma visão histérica deles

Arte de Lívia Magalhães com imagens de Pixabay e Wikimedia Commons

O filósofo espanhol, radicado nos Estados Unidos, George Santayana (1863-1952) escreveu certa vez: “Aqueles que não entendem a história estão condenados  a repeti-la”. Nada mais verdadeiro. Aqueles que não entendem, estudam e percebem a História (assim mesmo, com agá maiúsculo), tendem a repeti-la, seja como tragédia, farsa ou pantomima cuja maior função é subverter eventos e dados históricos ao bel prazer (ou a interesses inomináveis) daquele que quer tumultuar, e não explicar. A História é como uma lanterna na popa de um barco que segue adiante, mas que exige que se olhe para trás o tempo todo. Os obstáculos à frente no caminho podem ser, muitas vezes, os mesmos que um dia se achou que ficaram no passado. Um retrovisor (por mais metafórico que seja), nesses casos, é sempre muito bem-vindo — e pedagógico. Ainda mais quando é um retrovisor que elenca uma centena de textos escritos na Antiguidade e que, de várias formas, ajudaram a moldar o mundo e as sociedades como a conhecemos. É este o caso de 100 Textos de História Antiga (Editora Contexto), organizado pelo editor e professor de História Jaime Pinsky, que acaba de ganhar uma edição comemorativa para festejar os 50 anos de sua publicação original. E frise-se: durante todo esse tempo, ele nunca deixou de ganhar novas edições.

Não é pouca coisa. Em um momento em que as Ciências Humanas têm sido atacadas e desvalorizadas no País por gente que está mais perto de ter uma visão histérica dos fatos do que uma visão histórica, um livro como este, editado incessantemente há meio século, é uma vitória e tanto. E um triunfo que deve ser compartilhado por todos: alunos, professores e gente que entende que são os eventos históricos que pavimentam nossa civilidade — e nossa civilização. Afinal, trata-se de uma seleção de textos de autores como Péricles, Hamurábi, Aristóteles, César, Plutarco, entre tantos outros autores que registraram a história e os fatos de seu tempo para a posteridade. E que ainda estão, para o bem ou para o mal, atuais.

“Cem textos de atualidade indiscutível: escravismo e justiça social, guerras de conquista, mitos, mudanças políticas, sistemas de governo, educação, família, mulher. Cem textos que o leitor lê num instante, envolvido por sua oportunidade”, escreveu o historiador e sociólogo Marcos Margulies na revista Comentário. “Atualidade por quê? Porque os textos selecionados demonstram a perenidade dos problemas que assolam o homem desde os primórdios de sua história, e a incapacidade do homem em solucioná-los, e a eterna procura para resolver o insolúvel”, atestou Margulies.

Esparta e Aristóteles
Este Cem Textos de História Antiga que completa agora seu cinquentenário nasceu, na verdade, de uma inquietação de seu organizador. “Trabalhar como professor de História Antiga não era fácil nos anos 1960. Embora a disciplina fizesse parte do currículo obrigatório do curso de História, havia poucos professores preparados para oferecê-la”, escreve Pinsky –doutor e livre-docente pela USP e ex-professor da Unicamp e da Unesp — em um texto anexo à edição comemorativa. Foi justamente essa dificuldade, somada à carência à época de material em língua portuguesa — “tínhamos que recorrer aos textos clássicos, todos originalmente em línguas ‘herméticas’, como hebraico, grego e latim” — que inspiraram o professor a uma ousadia: organizar um livro que ajudasse alunos e professores a trabalhar com textos e documentos de História Antiga.

“Pensei que poderia traduzir os textos, com a colaboração de uma equipe, do hebraico, do latim e até do grego, além de utilizar edições consagradas em francês e inglês. Colegas e alunos engajaram-se no projeto e em menos de um ano tínhamos dezenas de textos devidamente traduzidos”, relembra Pinsky. Mas havia alguns pontos a serem resolvidos: como seria a organização do livro? Seria temporal, por civilização, por cronologia? “As coisas foram se solucionando aos poucos. Resolvi agregar os textos por temas, tal como fazia como professor na graduação. Assim, meus alunos, e os dos meus colegas, poderiam comparar diferentes sociedades”, esclarece o editor e organizador. Dessa forma, encontram-se no livro pequenos textos, extratos, de temas como “O divórcio no código de Hamurábi”, “A educação espartana”, “A cidade ideal, segundo Aristóteles”, “A República romana”, entre muitos outros.

No final dos trabalhos — pesquisa, seleção, tradução –, Jaime Pinsky e sua equipe chegaram a 98 textos. E seriam esses a serem publicados em forma de livro, se não fosse a intervenção precisa do então professor catedrático de História da USP Eurípedes Simões de Paula: “98 textos? Encontre mais dois bons textos, rapaz, e chegue a cem. Aí o livro já fica batizado”, recorda Pinsky. E foi o que acabou sendo feito. Com a vitória da eufonia e do número redondo, Cem Textos de História Antiga foi publicado originalmente pela Editora Hucitec — e ganhou uma acolhida para lá de calorosa quase que imediatamente. 

Fonte: Jornal da USP – Por Marcello Rollemberg