Trump transformou o México no novo bode expiatório internacional dos EUA e deflagrou guerra econômica contra o vizinho meridional.
“Coitado do México! Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos!” Essa frase era costumeiramente pronunciada pelo ditador mexicano Porfírio Díaz para explicar a intensa relação americano-mexicana, sempre carregada de amores e ódios. Mas ela nunca havia ficado tão tensa quanto está desde que o empresário do setor de cassinos e imóveis, Donald Trump, lançou sua candidatura presidencial em 2016 e colocou o México em sua mira, acusando o país de ser o responsável de parte do desemprego nos EUA, da autoria dos estupros ocorridos em solo americano e do consumo de droga por parte dos habitantes dos Estados Unidos.
Na ocasião, ele prometeu aplicar tarifas de 35% sobre os produtos do México, retaliar empresas americanas que haviam investido no México (que, segundo ele, eram antipatrióticas), expulsar milhões de imigrantes, além de classificar — em “spanglish” — vastos setores da sociedade como “bad hombres”. Também prometeu a construção de uma colossal muralha para impedir a entrada de imigrantes ilegais na fronteira com o México. Em um primeiro momento, disse que essa megalomaníaca obra seria financiada com as tarifas que aplicaria sobre produtos mexicanos. Posteriormente, afirmou que o México teria de pagar sua totalidade. Na sequência, sustentou que os EUA custeariam a construção, mas que posteriormente enviaria a fatura aos mexicanos.
Depois de um período de calmaria, Trump volta a disparar contra o México. Coincidentemente, ele se prepara novamente para uma campanha eleitoral, desta vez, para tentar a reeleição.
1 – O MÉXICO NÃO É UM VIZINHO QUALQUER
México e Estados Unidos compartilham uma fronteira de 3.185 quilômetros de extensão. A primeira delimitação entre ambos ficou definida em 1819. Três décadas depois, o México perderia mais da metade de seu território para os EUA. Mas as derradeiras divergências territoriais foram resolvidas em 1970.
O México não é um vizinho qualquer. Foi, nos últimos anos, o segundo maior parceiro comercial dos Estados Unidos. Em matéria de intercâmbio comercial com os americanos só perdia para os chineses. No entanto, em janeiro e fevereiro deste ano o México ultrapassou a China, transformando-se no principal sócio comercial americano.
2 – AMEÇAS DE GUERRA COMERCIAL E CALMARIA
Trump tomou posse em janeiro de 2017, reiterando as ameaças de realizar uma guerra comercial contra o México. As agências qualificadoras de risco começaram a reduzir a nota mexicana e os investidores internacionais ficaram ariscos sobre o mercado mexicano.
Pouco depois da posse, Trump telefonou ao então presidente do México, Enrique Peña Nieto. Na época, segundo a edição da revista Forbes do México, Trump “humilhou” o mexicano e chegou a ameaçar o envio de tropas para caçar criminosos dentro do próprio México. Segundo aForbes , na conversa, Trump — em tom de ameaça — declarou que, se as Forças Armadas mexicanas eram incapazes de combater o narcotráfico, enviaria tropas americanas ao país.
“Não preciso dos mexicanos…não preciso do México. Vamos construir o muro e vocês vão pagar, queiram ou mão, gostem ou não”, teria dito o americano a Peña Nieto. Peña Nieto — perante a insólita posição de Trump — teria ficado balbuciando.
Os dois governos informaram que a conversa foi de uma hora de duração. Mas o intercâmbio teria sido de apenas 20 minutos, já que o resto eram os intérpretes fazendo sua tarefa.
Na sequência, os EUA, México e Canadá começaram a reformular o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), em vigência desde 1994, já que o novo presidente americano o considerava prejudicial para os Estados Unidos. Trump foi gradualmente suavizando o tom e só de vez em quando voltava a dissertar sobre o formato do muro.
O novo acordo comercial foi fechado e enviado ao Congresso. Tudo indicava que Trump, ocupado em um conflito comercial com a China, havia se acalmado quanto aos mexicanos.
3 – A CONCRETIZAÇÃO DA GUERRA
Subitamente, na semana passada, no mesmo dia em que foi noticiado que Washington estava tentando acelerar a aprovação do novo acordo comercial México-EUA-Canadá no Congresso, Trump desatou uma nova ofensiva comercial, concretizando as ameaças que havia realizado várias vezes nos três anos anteriores. Em uma série de tuítes, anunciou que o México havia ganhado uma “fortuna” à custa dos Estados Unidos e que os migrantes mexicanos continuavam entrando em grande escala no território americano.
Trump declarou que, a modo de retaliação pela entrada de mexicanos ilegais dentro dos Estados Unidos (e, segundo ele, pela falta de medidas das autoridades mexicanas para evitar isso), aplicará um aumento de 5% nas tarifas alfandegárias sobre as compras de produtos mexicanos a partir do dia 10 de junho.
A decisão parecia uma atitude esquizofrênica, já que México, EUA e Canadá acabaram de chegar a um acordo para suspender as tarifas sobre o aço e alumínio. A Bolsa mexicana caiu e o dólar subiu em relação ao peso mexicano. Os investidores, que nos últimos tempos haviam ficado mais tranquilos sobre o comportamento de Trump, voltaram a ficar inquietos perante as novas incertezas.
O presidente Manuel López Obrador manteve o tom calmo, afirmando em uma carta ao presidente americano que os problemas sociais não se resolvem com “impostos ou medidas de coerção”. López Obrador pediu a Trump que ambos encontrem uma solução conjunta. “Não acredito na Lei de Talião, de dente por dente ou olho por olho, porque senão todos ficaríamos desdentados ou caolhos”, argumentou.
4 – PERDAS PARA O MÉXICO
Segundo o economista Alfredo Cutiño, da Moody’s Analytics, as exportações do México para os EUA no ano passado foram de US$ 358 bilhões. Isso equivale a 79,4% das vendas mexicanas para o exterior.
No período de um ano, a tarifa inicial de 5% que Trump começará a aplicar daqui a poucos dias causaria perdas de US$ 18 bilhões para o México. Isto é, 1,5% do PIB.
Além disso, Trump — com um discurso contrário à globalização das empresas americanas — sustentou que o México “levou embora” companhias americanas de automóveis (em alusão à abertura de filiais das fábricas automotivas dos EUA do lado mexicano da fronteira). Em tom de ameaça, ele prometeu que essas empresas voltarão ao território americano.
5 – “CAYÓ EL CHAHUISTLE!”
A ofensiva comercial de Trump é só o começo de uma guerra de protecionismo que vai na contramão da tradicional abertura alfandegária do Partido Republicano. Daqui a cinco meses, os mexicanos poderão dizer “Ya nos cayó el chahuistle!”, frase usada para indicar que a situação pode piorar e muito, pois Trump já antecipou que em outubro poderia aumentar essas tarifas para 25%.
Com essa alta dos impostos sobre os produtos Made in Mexico, o prejuízo chegará a US$ 90 bilhões, isto é, 7,3% do PIB mexicano.
6 – ABACATES, AUTOMÓVEIS E OUTRAS PERDAS PARA OS AMERICANOS
Se Trump fechasse a fronteira entre os dois países, os Estados Unidos ficariam sem provisão de abacates em três semanas, alertou Steve Barnard, presidente da Mission Produce, a maior distribuidora de abacates no mundo. Desde os anos 90 o abacate tornou-se um produto diariamente consumido pelos americanos.
Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, quase metade dos vegetais importados pelos Estados Unidos são provenientes do México. E também 40% das frutas importadas. Os abacates mexicanos, especificamente, representam 75% dessas frutas consumidas no mercado dos EUA.
Mas o setor dos abacates é apenas uma das diversas áreas que serão afetadas pelas medidas protecionistas de Trump, já que os próprios consumidores americanos terão de pagar preços mais altos.
Outro setor que será duramente atingido será o automotivo. Empresas dos Estados Unidos possuem filiais do lado mexicano que exportam para o mercado americano (a General Motors tem 14 fábricas do lado mexicano). Por esse motivo, o presidente interino da Associação de Fabricantes de Automóveis dos Estados Unidos, David Schwietert, afirmou que “qualquer espécie de barreira ao fluxo comercial na fronteira EUA-México terá um efeito dominó dentro dos Estados Unidos, já que prejudicará os consumidores americanos e ameaçará empregos e investimentos — 6 milhões de empregos americanos dependem diretamente do comércio com o México. Segundo ele, as tarifas que Trump aplicará sobre os produtos mexicanos serão um imposto sobre os consumidores dos Estados Unidos.
As duas economias estão intensamente interligadas. Um dos exemplos é que 40% das peças usadas nos produtos mexicanos exportados para os Estados Unidos são feitas originalmente em fábricas americanas (e do México elas voltam para os Estados Unidos com maior valor agregado).
7 – MAIS POBREZA NO MÉXICO, MAIS IMIGRANTES NOS ESTADOS UNIDOS
Já antes das medidas de Trump, a economia mexicana estava esfriando. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia, o PIB caiu 0,2% no primeiro trimestre deste ano. Mas pode cair muito mais. Isso gerará mais pobreza. E mais pobreza no México implica mais mexicanos tentando entrar ilegalmente nos Estados Unidos.
A eventual deportação em massa de mexicanos dos Estados Unidos causaria um grave dano para a economia do vizinho meridional. Em 2016 os mexicanos-americanos enviaram US$ 27 bilhões em remessas para suas famílias, valor que supera o total do petróleo que o México exporta anualmente. No entanto, uma crise econômica no país vizinho complicaria os Estados Unidos.
Um dos maiores bilionários do mundo, o empresário mexicano Carlos Slim, declarou que, se Trump quiser que a economia dos Estados Unidos cresça, precisará dos mexicanos.
8 – MEXICANOS BARRAM CENTROAMERICANOS QUE PRETENDIAM ENTRAR NOS EUA
Nos últimos anos, o fluxo de imigrantes mexicanos nos EUA caiu e começou a ser substituído pela entrada de migrantes da América Central, principalmente pessoas de El Salvador e Honduras.
Entre 2014 e 2016, os mexicanos detiveram mais de meio milhão de migantes centroamericanos que estavam atravessando o território do México rumo aos Estados Unidos e os enviaram de volta a seus respectivos países. Desde o início deste ano o governo do presidente Manuel López Obrador, atendendo a exigência de Trump, deportou 45 mil centroamericanos. No entanto, o presidente americano espera um volume maior.
9 – TRUMP, IMORTALIZADO NOS IRÔNICOS CORRIDOS
“Um cheetah com uma peruca loira.” Essa é a forma como Trump é definido em um “corrido”, gênero musical mexicano utilizado para expressar as opiniões políticas. Cheetah, por causa da cor laranja, da maquiada face do presidente americano. A peruca, pelo capacete capilar ostentado pelo empresário de cassinos. A peça musical em questão é “El corrido de Trump y la Hillary”.
Trump é o presidente dos EUA mais impopular no México desde que em 1920 Calvin Coolidge afirmava que existia um “México soviético” e que esse hipotético país era um perigo para os Estados Unidos.
Fonte: Ariel Palacios para a Revista Época
Entenda um pouco mais sobre essa relação nada tranquila em: América Latina x Estados Unidos, Os Americanos e Os Mexicanos.