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80 anos do início da Guerra Civil Espanhola

Por Josep M. Buades

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) não corresponde aos modelos tradicionais de disputa militar. Não se trata de mais um conflito para determinar fronteiras de nações ou para resolver pendências entre monarcas orgulhosos. Também não se trata de um confronto para subjugar um território estrangeiro supostamente vulnerável. Menos ainda de um guerra de revanche, feita para cicatrizar as feridas no orgulho pátrio após uma derrota. Uma guerra civil é uma guerra entre vizinhos, entre grupos do mesmo país. E no caso da Guerra Civil Espanhola, todo tipo de questão veio à tona de modo muito intenso: religião, conflito de classes, interesses corporativos, luta pela reforma agrária, ideias de supremacia cultural e de identidade nacional, utopias. Tudo isso somado às manobras dos interesses individuais mais mesquinhos. Foi uma “guerra total”, em que alguns tiveram oportunidade de mostrar, com seus atos, as maiores bondades do ser humano; e outros, com sua baixeza, aprofundaram a miséria da condição humana até patamares inauditos.

civilO que provocou essa “guerra total”?, eis a pergunta que muitos protagonistas da política espanhola da década de 1930 fizeram a si mesmos quando acabou o conflito. Os mais exaltados de cada corrente ideológica responderam que a guerra havia sido necessária, ou para realizar a imprescindível revolução que tiraria o país do subdesenvolvimento e da injustiça social (segundo uns), ou para eliminar ateus,maçons e marxistas (segundo o grupo divergente). Para os partidários da revolução, em 1936 havia chegado a hora de implementar a sociedade sem classes; para o partido adversário, era o momento de devolver à pátria o brilho imperial, fazendo-a sair de três séculos de decadência. Entre essas duas correntes extremas, havia a maioria dos espanhóis, que contemplava com pavor a corrida cada vez mais acelerada rumo ao abismo. Esses, os moderados – ou a “terceira Espanha”- ocupavam um frágil espaço entre os partidos antagonistas, que se odiavam à morte, e foram os primeiros a ser vitimizados pela guerra e pelos acontecimentos que se seguiram.

O resto do mundo acompanhou e participou ativamente dos fatos daquela Espanha exangue. A extrema-direita e a extrema-esquerda encontraram no campo ibérico um excelente laboratório para suas experimentações sociais; enquanto as democracias, medrosas e castigadas e pela crise econômica, rezavam para que o surto de violência descontrolada não se repetisse em seus países. Em plena etapa de rebelião das massas (conforme a feliz expressão de Ortega y Gasset), o Ocidente assistia impressionado às reportagens a respeito dos combates, lia relatos escritos pelos mais prestigiosos jornalistas e via todo o horror da guerra documentado em fotografias da mais alta qualidade artística. Poucas vezes os intelectuais do mundo se mobilizaram tanto por uma causa como fizeram em relação à Guerra Civil Espanhola. Uma aura romântica transformou o conflito em algo esteticamente atraente. Tornou-se, em muitos registros, uma guerra horrivelmente bela.

No entanto, a luta deixou profundas na sociedade espanhola, a ponto de pairar continuamente como uma assombração, uma caixa de Pandora, aquela capaz de concentrar todos os males. Talvez fosse melhor que ficasse fechada para sempre. Se possível, trancada a sete chaves. Uma trágica recordação de quão tênue é a cortina que nos separa da mais absoluta barbárie. Esse trauma, até hoje não superado por completo, reflete-se em uma abundante produção literária e cinematográfica. São raríssimos os artistas espanhóis que conseguiram sublimar essa catástrofe e impedir que influenciasse, mesmo que inconscientemente, suas criações.

Para os historiadores da minha geração, escrever sobre a guerra civil é contar a guerra dos nossos avós. Talvez façamos isso com a cabeça um pouco mais fria do que os nossos percursores, mas o fazemos igualmente estremecido. Como tantos outros espanhóis, tive um parente que lutou na guerra, um tio. Pelo ano em que nasceu poderia perfeitamente ter sido o pai de minha mãe. O lado em que lutou não importa. Era um homem apolítico. Lutou pela causa da região onde lhe coube nascer. Sobreviveu à guerra, porém faleceu antes da velhice, com 50 e poucos anos. Seu coração falhou, provavelmente acabrunhado pelo trauma vivido. Eu era um menino de pouquíssima idade quando morreu, e nunca tive oportunidade de conversar com ele sobre a experiência sofrida. De qualquer forma, os mais próximos do meu tio me disseram que ele não gostava de recordar os fatos daqueles tristes anos. Preferia guardar as lembranças dentro de si. Ao colocar o ponto-final neste livro. entendi por que optou pelo silêncio. Escrever estas páginas não foi fácil nem agradável. A história da Guerra Civil Espanhola é uma história truculenta, mas deve ser contato. Não podemos nos dar ao luxo de esquecê-la, sob o risco de repetir os mesmos erros e as suas dramáticas consequências. Por isso, ao descortinar os eventos ocorridos na Espanha entre 1936 e 1939, tentei mostrar, sempre que pude, o lado mais humano presente na catástrofe. Tomando o cuidado, é claro, de não perder o rigor histórico. Tratei de encontrar uma chama de esperança, por pequena que fosse, em meio a tanta desolação.

Mesmo assim, é difícil achar consolo na história. Depois da Guerra Civil Espanhola, as guerras não foram mais o que eram. Foram ainda piores.