O dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, ano que ficou sendo não só o Ano Internacional da Mulher, mas também o início da Década da Mulher. A justificativa oferecida para a escolha do dia 8 de março foi baseada em versões as mais desencontradas. Essas versões, por mais diversificadas que sejam, constroem, todas elas, uma imagem das mulheres como combativas operárias, revolucionárias e de esquerda.
É possível reunir essas narrativas em três blocos: 1) greves e martírio de operárias nos Estados Unidos, em 1857 e em 1908; 2) greve, manifestação e deflagração da Revolução Russa por parte das mulheres; 3) iniciativa de uma revolucionária comunista, chamada Clara Zetkin. Convém lembrar, ainda, que mesmo no interior de cada um desses blocos narrativos, não há consensos. De qualquer maneira, todos apontam a definição do 8 de março como oriundo do campo da esquerda, seja dos Estados Unidos, da Rússia ou da Alemanha.
No primeiro bloco de narrativas, aparece a história de uma greve e de um incêndio ocorridos nos Estados Unidos, justamente no dia 8 de março de 1857. Conta-se, então, que, nessa data, as operárias da indústria têxtil de Nova York fizeram uma grande manifestação na cidade, reivindicando melhores condições de trabalho, tais como jornada de 12 horas, melhoria de salários etc. Em 1908, 51 anos depois, em 8 de março, teriam voltado a manifestar-se contra as condições de trabalho, exigindo legislação que protegesse os menores e ainda o direito ao voto.
Ainda nesse bloco de 1857, outra narrativa fala de uma grande greve das operárias da fábrica Cotton, de Nova York, reivindicando jornada de dez horas e direito à licença maternidade. Os policiais, nessa ocasião, visando reprimir a greve, teriam ateado fogo à fábrica, levando à morte 129 operárias. Essa narrativa de greve e martírio de operárias, em 1857, tem sido a mais utilizada para justificar a escolha da data 8 de março. Assim, quando a ONU definiu o 8 de março como Dia Internacional da Mulher, esta era a versão mais veiculada.
No segundo bloco de narrativas, aparece a história da deflagração da Revolução Comunista, na Rússia, pelas mulheres. Conta-se, então, que no dia 23 de fevereiro de 1917 (8 de março de 1917, pelo calendário Gregoriano), as mulheres russas, trabalhadoras do setor de tecelagem, teriam – mesmo contra as ordens dos partidos e sindicatos – saído às ruas numa manifestação espontânea, reivindicando pão para os filhos e o retorno dos maridos e filhos da guerra. Esse era o Dia Internacional das Mulheres Operárias. Diante da manifestação das mulheres, os soldados do czar não reagiram nem bloquearam a passagem. Ficaram, apenas, olhando sem compreender a cólera das mulheres. Essa manifestação, de acordo com as narrativas, teria sido o primeiro momento da Revolução de Outubro, desembocando na criação da União Soviética.
Um terceiro bloco de narrativas atribui à revolucionária comunista Clara Zetkin a definição da data 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. De acordo com essa história, a revolucionária, nascida em 1857, na Alemanha, deputada em 1920, membro do Partido Comunista Alemão, militante do movimento operário que se dedicava à conscientização feminina, teria proposto, no II Congresso Internacional das Mulheres Socialistas, realizado em Copenhague (Dinamarca), em 1910, a instituição de um Dia Internacional da Mulher. Algumas pessoas dizem que o dia proposto por Clara Zetkin fora 8 de março em memória das operárias queimadas, em 1857, nos Estados Unidos. Outras dizem que ela apenas propôs a criação do dia, sem definir uma data.
A comemoração de um Dia Internacional da Mulher parece ser uma prática bastante antiga. Em alguns países europeus, o dia 19 de março era festejado como Dia da Mulher por ser nesse dia, em 1848, que o rei da Prússia, após uma manifestação popular, prometera, entre outras coisas, que as mulheres iriam ter direito ao voto. Em 1908, nos Estados Unidos, no último domingo de fevereiro, as mulheres socialistas fizeram uma manifestação, que chamaram de Dia da Mulher. Na Rússia, em 3 de março de 1913, foi festejado o Dia Internacional das Operárias. Na Alemanha, em 1914, celebraram o Dia da Mulher, no dia 8 de março. Na Rússia, em 1921, na Conferência das Mulheres Comunistas, vinte delegadas de diferentes países decidiram adotar o dia 23 de fevereiro como o Dia Internacional das Operárias.
Como se pode observar, seja o Dia da Mulher, seja da Mulher Socialista, ou da Mulher Operária, há muito tempo havia o desejo de instituir um Dia Internacional da Mulher. Entretanto, a pergunta continua: por que 8 de março?
Pesquisadoras(es) de movimentos sociais investigaram jornais operários e de circulação comum e nada encontraram que confirmasse a existência, em 8 de março de 1857 ou em 8 de março de 1908, de uma greve ou incêndio no qual estivessem envolvidas mulheres operárias. Há relatos de greves e de incêndio envolvendo operárias nos Estados Unidos, não porém nas datas apontadas nas diversas versões e, principalmente, nenhum desses acontecimentos tem por data o 8 de março. O que existe, devidamente relatado por fontes de jornais de ampla circulação e jornais operários, ocorreu em 1909-1910 e em 1911.
Entre 22 de novembro de 1909 e 15 de fevereiro de 1910, cerca de 15 mil trabalhadores da indústria do vestuário, a maioria mulheres, fizeram uma greve envolvendo mais de 500 fábricas nos Estados Unidos. Reivindicavam melhores salários e condições de trabalho. Denunciavam o fato de os patrões trancarem as portas das fábricas durante o expediente, de cobrirem os relógios, de controlarem as idas aos banheiros.
Em 25 de março de 1911, de acordo com jornais da época, na empresa Triangle Shirt Waist Company, em Nova York, uma das empresas onde as operárias haviam feito greve recentemente, ocorreu um grande incêndio. Nele, morreram 146 pessoas, sendo, em sua grande maioria mulheres. O número de operárias mortas varia conforme a narrativa: 129, 146, 120, 108, 125. O fato de as portas da empresa estarem fechadas durante o incêndio, de a fábrica ocupar os três últimos andares de um prédio que possuía dez pavimentos, de as divisórias e o chão serem feitos de madeira, tornou o desastre ainda maior.
Portanto, ocorreram realmente greves e um grande incêndio. Nenhum desses acontecimentos, porém, foi em 8 de março de qualquer dos anos e, ainda mais, ocorreram depois de Clara Zetkin ter sugerido a criação do Dia Internacional da Mulher. Ela, portanto, não poderia ter feito essa sugestão em homenagem a esses acontecimentos, pois ainda não haviam ocorrido.
Foi, certamente, nos embates do feminismo com os partidos e movimentos de esquerda dos anos 1970 que se atribuiu ao 8 de março essa conotação de martírio, resistência e revolução. Afinal, era preciso combater os constantes argumentos de que o feminismo era um movimento pequeno-burguês, retrógrado e divisionista. Dessa forma, fatos que ocorreram foram deslocados, involuntariamente, de suas datas, para dar legitimidade de esquerda a uma solenidade cuja definição do dia foi, evidentemente, resultado do acaso. Isso, é claro, não tira a importância simbólica da data para a luta das mulheres.
BIBLIOGRAFIA
- ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.
- BLAY, Eva Alterman. 8 de março: conquistas e controvérsias. Revista Estudos Feministas, v. 9, n. 2, 2001, pp. 601-7.
- FARIAS, Maria Dolores Mota. Dia Internacional da Mulher: 8 de março – anotações sobre mito, política e mulher. Texto inédito. Professora da UFC, 23 p.
- GIANNOTTI, Vito. O dia da mulher nasceu das mulheres socialistas. Disponível em <www.piratininga.org.br/memoria/mulheres-vito.html>. Acesso em 18 jun. 2005.
- TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993.
Joana Maria Pedro – Historiadora. Doutora em História Social pela USP, com pós-doutorado pela Université d’Avignon et des Pays de Vaucluse. Professora titular em História Social do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG/UFSC).