Várias questões colocaram a maioria dos deputados em oposição a D. Pedro I desde que o Parlamento se reuniu em 1826. Embora tenham aceitado participar da construção do Estado e da organização do novo regime sob a égide da Constituição outorgada, o fechamento da Constituinte resultou em um distanciamento do imperador e evidenciou que havia divergências profundas sobre o modelo a ser adotado. A questão central era o que muitos consideravam excessiva centralização do regime. A estratégia de aceitar o jogo político de acordo com a Constituição outorgada significava usar o espaço do Parlamento para legislar de modo a atenuar essa centralização, na promulgação de leis sobre matérias não consagradas na Carta. Significava também disputar influência política através do Ministério.
A disputa política acirrou-se ao longo dos anos por discordâncias com os sucessivos Ministérios e pelos poucos avanços possíveis em relação à centralização. Além disso, outros temas foram foco de tensão entre parlamentares e imperador.
Um deles era a continuidade ou não do tráfico negreiro. Em 1826, em troca do reconhecimento da independência pela Inglaterra, D. Pedro assinou um tratado com o governo britânico que previa o fim do tráfico negreiro. No Parlamento, a reação à assinatura do tratado foi estridente. Deputados revezavam-se em discursos com duras críticas ao governo brasileiro por ter assinado o acordo com a Inglaterra. Interessante foi que as críticas não eram apenas em razão dos prejuízos à economia nacional com o fim do abastecimento de escravos. Esse ponto foi reiteradamente salientado pelos deputados, que afirmavam que a economia brasileira pereceria sem a contínua entrada de escravos trazidos da África. Mas também outros aspectos foram motivo de ácida crítica pelos parlamentares e diziam respeito à disputa que travavam na definição do arranjo institucional do novo Estado que estava sendo construído.
Em primeiro lugar, questionavam o tratado por não ter sido o Parlamento consultado antes da sua assinatura. Seu argumento era de que o tratado legislava sobre o tráfico e essa era uma prerrogativa do Parlamento. Dessa forma, afirmavam a necessidade de um Legislativo com maior peso decisório. Em segundo lugar, acusavam o governo de ter sacrificado a soberania nacional, no momento em que ela estava sendo construída. O fato de que o tratado permitia que os ingleses capturassem navios brasileiros e que cidadãos brasileiros seriam julgados por juízes ingleses foi considerado um grave atentado à soberania do Brasil. O deputado Cunha Matos sintetizou o sentimento prevalecente entre a maioria dos seus pares:
A convenção celebrada entre o governo do Brasil e o britânico para a final abolição do comércio da escravatura […] é derrogatória da honra, interesse, dignidade, independência e soberania da nação brasileira.
Apesar da forte reação, o tratado foi mantido. Mas foi um elemento a tencionar ainda mais a relação entre Parlamento e imperador.
Outra questão que gerou desgaste ao governo de D. Pedro I foi a guerra entre Brasil e Buenos Aires, entre 1825 e 1828. A razão do conflito foi a disputa pelo território que hoje corresponde ao Uruguai. Anexado ao império português em 1821, depois de invasão militar, tornou-se a província Cisplatina. Buenos Aires tinha pretensões de integrar a região ao Estado que estava sendo construído após a independência. Em 1825, teve início a guerra entre o governo brasileiro, que lutava para manter a Cisplatina, e o de Buenos Aires. A guerra prolongou-se até 1828, quando Buenos Aires e Rio de Janeiro concordaram em negociar a paz, com mediação da Inglaterra. Acabaram por aceitar a proposta britânica: a Cisplatina não pertenceria nem a Buenos Aires nem ao Brasil. Tornava-se um país independente com o nome de Uruguai.
No Brasil, o acordo foi visto como uma derrota. Afinal, o império havia perdido uma de suas províncias. Depois de anos de disputa que custara ao país vidas, gastos vultosos, aumento do custo de vida, enfim, o ônus por enfrentar uma guerra de quatro anos, para, no final, perder a província. Essa derrota acabou por desgastar ainda mais o imperador.
Apesar das tensões, a primeira legislatura da Câmara dos Deputados encerrou-se em 1829, conforme previa a Constituição que conferia um mandato de quatro anos para os deputados. Eleições foram realizadas e nova legislatura teve início em 1830. A maioria dos deputados eleitos era de oposição. Foram eleitos deputados que integraram a Constituinte dissolvida, como José de Alencar e Martim Francisco Ribeiro de Andrade (irmão de José Bonifácio), e novos nomes na política nacional, como Antônio Pereira Rebouças, que se tornaria um político de destaque, assim como vozes que antes se exprimiam por outros meios – a imprensa –, por exemplo, Evaristo da Veiga.
Com a nova Câmara, a oposição a D. Pedro se acirrou, alimentada pelos ressentimentos em relação à centralização do processo decisório no Rio de Janeiro, conforme previsto pela Carta outorgada, pela perda da Cisplatina, pelo tratado que previa o fim do tráfico e que entrou em vigência em 1830. O descontentamento estava também estampado nas páginas dos periódicos e em manifestações de rua. Grupos distintos uniam-se na oposição. Os dois mais importantes ficaram conhecidos como liberais exaltados e liberais moderados. Nomes que indicam as semelhanças e diferenças entre ambos. Compartilhavam o ideário liberal. Os exaltados, identificados a partir de alguns jornais, preconizavam reformas abrangentes. Defendiam a igualdade social, melhor distribuição de renda, cidadania plena, incluindo mulheres, negros e pardos livres, os preceitos democráticos de Rousseau e a república. Os moderados mantinham-se fieis à monarquia. Sua oposição era ao imperador, não ao regime. Advogavam, contudo, reformas institucionais, como uma reorganização com diretriz federalista, maior protagonismo para o Legislativo e fortalecimento das autoridades eletivas no Judiciário.
Havia também diferenças de origem social. Enquanto parte da elite conduzia sua oposição no Parlamento, nas ruas, tropas e segmentos populares expressavam sua insatisfação e a direcionaram aos estrangeiros, especialmente portugueses, que se consideravam detentores de privilégios em detrimento dos brasileiros. O repúdio aos lusitanos em 1830, contudo, tinha conteúdo diverso dos tempos da independência. Passou a ser uma constante em manifestações de homens livres pobres que atribuíam aos portugueses a responsabilidade pelas condições em que viviam. E o imperador, português de nascimento, foi identificado com esses estrangeiros.
Isolado, sem contar com apoio da maioria da elite política, em abril de 1831, D. Pedro I abdicou e retornou a Portugal. Tinha fim o Primeiro Reinado. Seu filho mais velho, sucessor do trono, tornava-se imperador. No entanto, contava apenas com 5 anos de idade e a Carta outorgada estabelecia a idade mínima de 18 anos para o imperador assumir o trono. Na situação criada com a abdicação de D. Pedro I, a solução constitucional era a nomeação de regentes para governar em nome do sucessor, até que ele completasse 18 anos de idade.
Miriam Dolhnikoff é professora do departamento de História da FFLCH-USP e pesquisadora do Cebrap. É mestre e doutora em História Econômica pela USP. Ensina e pesquisa o Brasil Império. Atualmente estuda o governo representativo, sob a forma de monarquia constitucional, no Brasil, com foco no debate político em torno das eleições. É autora do livro “História do Brasil Império“.
Fonte: DOLHNIKOFF, Miriam. “Oposição ao Imperador”. História do Brasil Império. Editora Contexto.
Imagem de capa: Pedro I entrega a carta ao Major Frias.