Uma vez derrubada a Monarquia, era preciso varrer instituições herdadas do Império. Para tal, era necessário elaborar uma nova Constituição, que substituísse a velha Constituição de 1824, feita para ordenar o regime monarquista em bases liberais dentro de uma ordem escravocrata.
Os embates entre positivistas e liberais, entre aqueles que defendiam um governo com mais autonomia para os estados que compunham o Brasil (“centralistas” e “federalistas”), já se faziam notar no seio do próprio Ministério republicano do Governo Provisório. Campos Sales, ligado aos cafeicultores paulistas, era um federalista convicto, defendendo maior poder administrativo e político para os estados. Rui Barbosa, ministro da Fazenda, liberal convertido à causa republicana, também tinha simpatia pelo federalismo. Benjamin Constant, ministro da Guerra, era o líder dos positivistas, que defendiam um governo central forte e interventor na sociedade. Aristides Lobo, ministro do Interior, estava mais próximo dos que sonhavam com uma República popular e democrática.
No campo econômico, o Governo Provisório republicano, através do seu ministro da Fazenda, Rui Barbosa, tentou estimular o capitalismo brasileiro “por decreto”. Diagnosticando que havia pouca circulação de dinheiro no país para movimentar o mercado interno, dadas as características da economia escravista que existiu até 1888, o governo permitiu que os bancos emitissem papel-moeda sem fundos de reserva, apoiando-se em bônus governamentais que deveriam garantir o valor das emissões bancárias. Além disso, inspirado no vigoroso capitalismo britânico e norte-americano, o governo incentivou a criação de sociedades anônimas, ampliando o crédito. Muitas empresas foram criadas artificialmente e lançaram ações para serem vendidas na bolsa de valores, mas careciam de gerenciamento e produtividade. Algumas até eram “empresas fantasmas”, que nada produziam. Apesar disso, houve uma euforia inicial na compra de ações, comparável ao frenesi dos apostadores de cavalo na hora de encilhar o animal antes da largada das corridas de jóquei-clube. Daí o nome popular que essa política ganhou: “encilhamento”. O resultado efetivo foi desastroso. Muitas empresas faliram em pouco tempo, levando consigo as economias de muitos investidores. A emissão de papel-moeda sem lastro produtivo real fez com que a inflação saísse do controle. As finanças públicas também se deterioraram com os compromissos assumidos pelo Estado na garantia de bônus e na ampliação do crédito. A inércia do mercado interno, com poucas camadas sociais com renda para o consumo, uma das heranças do sistema escravista, era mais forte do que supunha o douto ministro Rui Barbosa e sua vontade de transformar o Brasil em uma grande e moderna economia capitalista.
A vida política tampouco era tranquila. Em junho de 1890, foram convocadas as eleições para a Assembleia Constituinte, que, em poucos meses, elaborou uma nova Constituição, não sem debates e divisões internas. O sistema de governo foi definido como “presidencialista”, sendo o presidente da República chefe do Poder Executivo. O Poder Legislativo era constituído pela Câmara e pelo Senado, cujos membros não eram mais vitalícios, mas eleitos e com mandato temporário (ao contrário dos tempos do Império). A primeira Constituição republicana do Brasil aboliu as “instituições monárquicas” (Senado Vitalício, Poder Moderador e Conselho de Estado) criticadas por todas as correntes republicanas. Além disso, as províncias foram transformadas em estados, com maiores poderes administrativos, comparando-se ao período do regime deposto. Exemplo dessa autonomia estava na gestão tributária. Os governos estaduais sob o regime republicano ficavam com as rendas geradas pela exportação, enquanto a União ficava com as rendas geradas pela importação de produtos. As primeiras eram mais polpudas que as segundas, pois o Brasil era uma economia agroexportadora. Esse arranjo fiscal favorecia os estados agroexportadores, como São Paulo, cuja riqueza crescia dia a dia com o aumento do consumo do café brasileiro no exterior.
A Constituição republicana trouxe novidades no sistema eleitoral, embora tenha mantido a tendência a diminuir o corpo de votantes já esboçada no final do Império. Definiu-se que o voto iria ser direto, mas continuaria “a descoberto”, ou seja, não era secreto. Analfabetos, mendigos, soldados, mulheres e religiosos (sujeitos ao voto de obediência religiosa) não podiam votar, nem ser votados. A proibição do voto dos analfabetos no Brasil duraria quase cem anos, excluindo a maior parte da população trabalhadora e pobre da cidadania política, a título de “garantir a qualidade das eleições”. Os números demonstram essa exclusão. Ao longo de todas as eleições da Primeira República, apenas entre 2% e 5% da população pôde exercer o direito de voto.
Outra medida importante implantada pela nova Constituição foi a separação entre Igreja Católica e Estado, com o catolicismo deixando de ser a religião oficial do país. Isso, entretanto, não significou que a Igreja Católica deixou de ter influência, política e moral, na sociedade brasileira.
Promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891, a segunda Constituição brasileira vigorou até 1932 e foi a diretriz do período conhecido como República Velha.
Marcos Napolitano é doutor em História Social pela USP e professor do Departamento de História da mesma universidade. Autor do livro “História do Brasil República“.
Fonte: NAPOLITANO, Marcos. “Consolidação da ordem republicana”. História do Brasil República. Editora Contexto.
Imagem de capa: Gustave Hastoy: Assinatura do projeto da Constituição de 1891, c. 1891. Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro