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23 de outubro (1906) | Dia da aviação

O Deutsches Museum, ou Museu Alemão, em Munique, apresenta quase todo o legado científico e tecnológico da humanidade. A contribuição brasileira a esse legado ainda é tímida. Há algum tempo, encontrávamos duas: o modelo de uma jangada e uma reprodução do avião 14-Bis construído por um dos pioneiros da aviação, Alberto Santos-Dumont. Atualmente, nessa seção, encontram-se apenas fotos e gravuras de voos desse pioneiro e o modelo foi substituído por uma reprodução do Flyer dos irmãos Wright. Porém, a seção de miniaturas continua vendendo modelos do famoso 14-Bis, que, em 23 de outubro de 1906, fez o primeiro voo autônomo de um objeto mais pesado que o ar, levando o Congresso Nacional brasileiro a considerar essa data o Dia da Aviação e Alberto Santos-Dumont, o Pai da Aviação.

23 de outubro (1906) | Dia da aviação

Alberto Santos-Dumont, sexto filho do casal Henrique Dumont e Francisca Santos, nasceu em 20 de julho de 1873, na propriedade Cabangu, no atual município de Santos-Dumont, Minas Gerais. Depois de uma breve permanência nesse município, o casal mudou-se para a Fazenda Ariendúva, rebatizada Dumont, em Ribeirão Preto, no estado de São Paulo. Graças à aplicação de modernos conhecimentos técnicos na agricultura, Henrique Dumont expande seu empreendimento e ganha a alcunha de Rei do Café. Nesse processo de modernização, o jovem Alberto interessa-se pelas novas máquinas agrícolas movidas a vapor que chegaram à Fazenda Dumont e demonstra, desde cedo, habilidades mecânicas que se tornaram úteis para seus desafios no futuro.  Infelizmente, o Rei do Café sofre um acidente que o torna hemiplégico e decide vender a propriedade para tratar da saúde em Paris. Nessa viagem, a família o acompanha.

Na França, em 1891, Alberto Santos-Dumont, então com 18 anos, identifica-se com as novidades técnicas e planeja realizar um voo de balão, que já havia presenciado quatro anos antes em São Paulo. Depois da morte do pai, que deixou para o filho “o necessário para viver”, seguindo os seus conselhos, como relata o próprio Santos-Dumont em sua autobiografia, em Paris estuda Física, Química, Mecânica e Eletricidade sob orientação de um certo senhor Garcia e apaixona-se pelo balonismo. Não se contentando apenas em subir aos ares, inicia a construção de balões, terminando o primeiro em 1898 com 113 m3 de volume, batizado carinhosamente com o  nome de Brasil.  Sobe e desce várias vezes apreciando a velha cidade luz e constrói um balão maior de nome América.

Entretanto, fica rapidamente entediado com os simples voos de ascensão, pois se tornava escravo das correntes aéreas, e decide torná-los dirigíveis. Depois de alguma reflexão, escolhe o motor de combustão interna – motor de automóvel – acoplado a uma hélice e, para maior dirigibilidade, utiliza para o balão a forma análoga a de charuto. Pensando a longo prazo,  já não batiza os balões: enumera-os simplesmente, e assim temos os balões no 1, no  2 … até o no 6.

Com seu sexto dirigível, Santos-Dumont ganha o Prêmio Deutsch, de cem mil francos oferecido pelo magnata de petróleo Henri Deutsch de La Meurthe. O edital do prêmio exigia que o veículo partisse de Saint-Cloud, circunavegasse a Torre Eiffel e voltasse ao ponto de partida em trinta minutos. Em 19 de outubro de 1901, às 14h51, ovacionado, Santos-Dumont consegue circundar a Torre Eiffel e retornar ao ponto inicial em menos de trinta minutos. Contudo, o fato mais importante é que Alberto Santos-Dumont provara que poderia controlar aeronaves. A notícia dessa realização logo chegou ao Brasil, criando um certo orgulho no povo brasileiro, e o governo resolve outorgar-lhe um prêmio em dinheiro. Esse feito é reconhecido no mundo inteiro e, em viagem aos Estados Unidos, Santos-Dumont encontra-se com o inventor do fonógrafo e da lâmpada  elétrica, Tomas Edison, e é recebido pelo então presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt.

Para entender a maneabilidade, o inventor constrói vários dirigíveis usando motores e hélices mais potentes. Em 23 de junho de 1903, buscando mostrar essa maneabilidade, faz uma demonstração extraordinária com o dirigível no 9, estacionando-o na frente de seu apartamento na avenida Champs-Élysées e toma um café.

Programa e ordena a construção do dirigível no10 e parte para o Brasil em fins de agosto de 1903, onde é recebido como um verdadeiro herói por todo o país. Ao retornar à França para continuar seus traba-lhos, recebe a notícia do voo dos irmãos Wright, dos Estados Unidos, mas as evidências do sucesso desse voo são obscuras. Santos-Dumont continua estudando a dirigibilidade de balões e constrói o de no 14, obtendo um enorme sucesso em suas demonstrações. Em 1905, toma consciência de que os balões não poderiam ser uma forma eficiente de levar substancial quantidade de carga pelos ares.

Inspirado então nas células de papagaio ou pipas desenvolvidas na Austrália por outro pioneiro da aviação, o escocês Lawrence Hargrave, constrói um aeroplano e, para testá-lo, acopla-o ao dirigível no 14, sendo essa  a singela razão do nome 14-Bis. Ficando claro que a sustentabilidade poderia ser fornecida por essas células e com um motor de automóvel de 50 cv, vai aperfeiçoando seu aeroplano e obtém sucessos cada vez maiores. Em setembro de 1906, consegue levantar do chão – sem nenhum recurso externo – um objeto mais pesado que o ar, percorrendo sete metros. Finalmente, em 23 de outubro do mesmo ano, deu o passo maior ao voar sessenta metros de extensão a uma altura de três metros.

Em 12 de novembro, consegue a maior proeza voando a uma distância de 220 m no campo de Bagatelle, Paris, a uma altura de 6 m. Com esse voo, Santos-Dumont ganha um prêmio do Aeroclube da França e tem seus os primeiros recordes homologados da história da aviação, ao contrário do voo dos irmãos Wright, que fora catapultado em um plano inclinado e, além disso, não contara com a presença de testemunhas independentes. Santos-Dumont realizou um voo decolando por seus próprios meios e com a presença de um público independente. (Convém mencionar que em 7 de dezembro de 2003, no mesmo local do suposto primeiro voo dos irmãos Wright, foi tentado reproduzir a “acanha” com um modelo idêntico. Tal tentativa não foi bem-sucedida e atribuiu-se o fracasso às más condições meteorológicas do dia do teste.)

Em 1907, Santos-Dumont apresenta um novo avião: o Demoiselle, que se revelou frágil para os novos desafios. Em 13 de janeiro de 1908, Henry Farman realizou um voo circular de um quilômetro e ganhou o prêmio Deutsch-Archdeon  de 50 mil francos. Em 1909, o brasileiro apresenta um novo Demoiselle e chega a voar mais de 15 km, tornando-se um dos grandes destaques da Primeira Exposição Aeronáutica realizada em Paris. Esse avião serviria de inspiração a vários outros.

Em 1910, entretanto, com sinais de esgotamento e com cabelos grisalhos, Santos-Dumont desiste da carreira de aeronauta. Fixa residência em Paris e vê, com amargura, acontecer a Primeira Guerra Mundial, que impulsiona o estabelecimento de uma indústria aeronáutica com finalidades bélicas.

Em 1918, Santos-Dumont construiu uma pequena casa em Petrópolis, que utilizava em suas estadias no Brasil. Em 1919, para homenagear suas realizações, o governo brasileiro doa a propriedade Cabangu a Santos-Dumont. Atualmente, abriga o Museu Alberto Santos-Dumont, o grande inventor brasileiro, que se suicidou em 23 de julho de 1932, mas que orgulha o Brasil até hoje.


Mauro Kyotoku – Professor doutor do Departamento de Física da Universidade Federal da Paraíba (ufpb).