Em 1933, a Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal (APC-DF) tomou a iniciativa de festejar, no Brasil, o Dia do Primeiro Mestre em 15 de outubro, dando origem ao Dia do Professor, que acabou por se consolidar como uma forma de dar visibilidade à categoria. A data escolhida correspondia à “primeira lei sobre o ensino primário” que, em 1827, criou as escolas de primeiras letras e designou um vigário para as paróquias existentes no país, marcando a aliança entre o Estado e a Igreja. Tal ideia partiu do presidente da APC-DF, Everardo Backheuser, que atuou na Associação Brasileira de Educação (abe ) e, após a sua reconversão ao catolicismo em 1928, engajou-se na fundação de entidades congêneres, que, em 1933, passaram a integrar à Confederação Católica Brasileira de Educação (CCbe). Em meio à tentativa de congregar em nível nacional o magistério católico, a APC-DF lançou um apelo para que tal celebração ocorresse em todo o Brasil e a população expressasse sua gratidão ao primeiro professor, visitando-o, enviando-lhe flores ou um cartão de felicitações e, no caso de ele estar morto, depositando flores em seu túmulo ou dedicando-lhe uma prece.
Originalmente concebida para que as pessoas manifestassem o seu reconhecimento ao primeiro mestre, que em geral era relegado ao anonimato e ao esquecimento, a data tornou-se oficial e incorporou novos significados que se sobrepuseram ao inicial, mas sem anulá-lo. Homenagens a professores tidos como exemplares e festas de congraçamento das mais diversas iniciativas associaram-se às lembranças do primeiro mestre nos festejos do 15 de outubro, que, a partir de meados dos anos 1950, começou a contar com protestos da categoria contra os baixos salários. Ao se consolidar como uma prática regular, a comemoração colocou em evidência a controvérsia entre a recompensa simbólica e a financeira da profissão, pois ora se afirmava a necessidade de celebrar o Dia do Professor, ora se apontava o vazio das “belas palavras” dedicadas aos mestres nessa ocasião, tendo-se em conta o seu baixo salário: oscila-se entre a total vinculação dessas duas recompensas e a desqualificação das atividades que integravam os festejos do 15 de outubro, apresentando-os como uma forma de dissimular os problemas que afetavam as condições concretas de exercício do magistério.
Embora tal processo tenha assumido configurações específicas nos diversos estados brasileiros, opto por detalhar aqui a maneira pela qual ele se deu em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em 1947, entidades representativas de diferentes segmentos do magistério paulista organizaram um movimento em prol da sua oficialização, divulgando instruções bastante semelhantes às veiculadas pela associação carioca em 1933, mas sem referência a ela. No ano seguinte, o então governador Adhemar de Barros declarou feriado escolar “a data de 15 de outubro, considerada o Dia do Professor” (Lei n. 174, de 13/10/48) e, a partir de então, inúmeras solenidades começaram a ser promovidas por grupos escolares, escolas normais, ginásios e colégios, que contavam com “sessões lítero-musicais”, missas, conferências, homenagens a velhos mestres com a entrega de medalhas e de “diplomas de honra”. Em São Paulo, após o reconhecimento oficial, o estado ora se esforçando para “abrilhantar” os festejos em homenagem ao magistério, ora deixando a data cair no esquecimento, fez com que o Dia do Professor ganhasse diferentes significados no âmbito da luta da categoria por melhores vencimentos e maior prestígio social.
No caso carioca, em contrapartida, o predomínio da rede de ensino particular fez com que a instituição do feriado do Dia do Professor desempenhasse um papel central nos embates travados entre o Sindicato dos Professores e os proprietários dos colégios, evidenciando as diferenças entre as diversas esferas do poder público quanto à gestão dos conflitos trabalhistas dos docentes do ensino particular. Alguns deles chegaram a desrespeitar o feriado e, em 1963, ameaçaram obrigar os professores a trabalharem como represália às suas reivindicações salariais. Isso só não foi possível graças ao decreto do então presidente João Goulart declarando o Dia do Professor feriado escolar em todo o Brasil. No Rio de Janeiro, a comemoração somente ganhou projeção nos anos 1960.
Nesse sentido, convém assinalar o papel da grande imprensa na divulgação da data para que ela fosse incorporada pelo imaginário coletivo. O jornal Última Hora, por exemplo, realizou inúmeros concursos a propósito da data que contribuíram para que ela se difundisse, dentre os quais cabe destacar aqui a eleição em 1951 de José de Anchieta como Patrono do Professorado Carioca, escolhido entre grandes vultos do magistério já falecidos.
Na esfera federal, o Ministério da Educação lançou em 1956 o concurso que ficou conhecido como “Concurso Dia do Professor – Embaixada da França”, destinado aos docentes do ensino médio, cujo prêmio seria um estágio de três meses no Centro Internacional de Sevrès, na França; ainda, em 1958, instituiu a Semana do Professor. Assim, o reconhecimento oficial da comemoração deu origem a cerimônias promovidas pelos poderes públicos e por outras instituições, que homenageavam professores tidos como exemplares e exaltavam a dedicação e a abnegação com que a categoria realizava a sua “nobre missão”. Mas, no final dos anos 1950, a data incorporou um novo significado.
As entidades que lutaram na década anterior para que a data fosse reconhecida oficialmente com o intuito de melhorar o estatuto profissional do magistério, ao constatarem que essa medida não contou com uma contrapartida material relativa à sua remuneração, passaram a utilizá-la para expressar as suas insatisfações quanto à política governamental, elegendo-a como marco para as campanhas reivindicatórias e negando-se a participar das cerimônias oficiais. Em 1963, o magistério paulista deflagrou a primeira greve geral da categoria justamente no Dia do Professor. Instaurou-se, portanto, entre o estado e as associações docentes, uma disputa para apropriar-se da comemoração e atribuir-lhe diferentes sentidos, tanto para o movimento docente quanto para a imagem social dos professores, ao se difundir diferentes concepções acerca da docência que ganharam visibilidade nas múltiplas formas de celebrar a data.
Por Paula Perin Vicentini – professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ( PUC-SP) e da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) – no livro Dicionário de Datas da História do Brasil, publicado pela Editora Contexto.