A doença de Chagas foi descoberta pelo cientista brasileiro Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, ou simplesmente Carlos Chagas, em 14 de abril de 1909, na cidade mineira de Lassance. No século xix, três enfermidades endêmicas conhecidas afligiam a população que residia nos centros urbanos como o Rio de Janeiro. Eram elas: a febre amarela, a peste e a varíola, ao mesmo tempo que, na zona rural do Brasil (os sertões), as doenças parasitárias, como o “impaludismo” e a ancilostomose, eram as prevalentes. A doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana, veio juntar-se a estas no início do século xx, podendo-se constatar que a nova enfermidade é uma zoonose do continente americano, cuja distribuição geográfica se estende a partir do sul da América do Norte indo até a Argentina e Chile, tendo forte incidência no Brasil.
A História da doença de Chagas começou pela entomologia. Ao chegar à região de Minas Gerais, para combate à malária que se alastrava entre os funcionários da Central do Brasil, Chagas e Belisário Penna foram informados, pelo engenheiro Cantarino Mota, sobre um inseto conhecido popularmente por barbeiro. Essa denominação é dada a insetos semelhantes a percevejos, que têm hábitos noturnos, escondendo-se de dia nas frestas e frinchas das choupanas de pau a pique e à noite saem para picar os moradores de cujo sangue se alimentam. Como as pessoas, em geral, estão cobertas, eles escolhem a face para o repasto sanguíneo, daí surgiu seu nome. Segundo lhes relatou o engenheiro, esses insetos poderiam estar relacionados com a ocorrência de “papo e idiotia do capiau”, cujos sintomas são anemia profunda, “bócio”, algumas vezes edema generalizado, perturbação do sistema nervoso e infantilismo.
Como bom observador, Chagas percebeu que, em geral, o hematófago era visto em maior abundância nas habitações pobres, nas choupanas não rebocadas e com o teto coberto de capim. Após estudar os hábitos dos insetos, fez várias dissecações e extraiu-lhes o tubo digestivo. Nos tubos examinados encontrou um protozoário – parasito composto de uma célula só – que foi classificado no gênero Trypanossoma. A partir disso, exemplares do barbeiro capturados no interior de habitações humanas foram enviados ao Instituto Manguinhos, no Rio de Janeiro, onde o sanitarista Oswaldo Cruz produziu uma infecção experimental, após submeter mamíferos da espécie Callithrix penicillata à picada dos diversos exemplares enviados por Chagas. Decorridos aproximadamente trinta dias, o exame de sangue periférico desses animais revelou a presença de um grande número de tripanossomos, cuja morfologia era inteiramente diferente de quaisquer das espécies até então conhecidas do gênero Trypanossoma. O atendimento clínico a uma criança de dois anos, de nome Berenice, “febricitante e em estado grave” levou à realização de exame de seu sangue periférico tendo sido identificado o mesmo parasito transmitido aos animais de laboratório pelo barbeiro. O flagelado foi denominado Trypanossoma cruzi, em homenagem ao diretor do Instituto de Manguinhos.
Com o apoio dos pesquisadores do Instituto Manguinhos e de outros pesquisadores visitantes, Carlos Chagas desenvolveu um trabalho completo sobre a enfermidade causada pelo Trypanossoma cruzi, a qual ficaria reconhecida, internacionalmente, como doença de Chagas. O cientista estabeleceu todos os aspectos básicos da epidemiologia da nova enfermidade, na qual identificou o agente etiológico; o ciclo parasitário; o vetor; os reservatórios; e descreveu as formas clínicas; sinais clínicos; achados de necropsia; diagnóstico clínico, laboratorial e diferencial.
O primeiro anúncio da descoberta, em um periódico científico, foi feito na Revista Brazil-Médico e Memória do Instituto Oswaldo Cruz. O anúncio à Academia Nacional de Medicina ocorreu em 22 de abril de 1909. A primeira divulgação, fora de anais científicos, apareceu no Almanaque brasileiro Garnier, em 1912.
O trabalho de Chagas também obteve reconhecimento internacional. A dupla descoberta – a nova espécie de protozoário e de uma nova enfermidade humana – foi peça-chave na Exposição Internacional de Higiene realizada em junho de 1911, na cidade de Dresden. Em 1912, Carlos Chagas obteve o Prêmio Schaduinn, honraria conferida pelo Instituto Naval de Medicina de Hamburgo. O Prêmio Schaudinn havia sido instituído depois da morte do fundador da Protozoologia. Seus companheiros de pesquisas no Instituto de Moléstias Tropicais de Hamburgo resolveram conceder medalha de ouro, de quatro em quatro anos, ao cientista, de qualquer nacionalidade, autor da mais importante descoberta científica. O premiado teria de ser escolhido por um eleitorado internacional, constituído de pessoas de reputação firmada no mundo científico. Cumprindo todos os pré-requisitos, Chagas foi o premiado daquele ano.
Entretanto, passados alguns anos, o trabalho de Chagas recebeu vários questionamentos. Um deles foi levantado, em 1916, pelo bacteriologista alemão Rudolf Krause, diretor do Instituto de Bacteriologia de Buenos Aires, o qual tinha observado que, em certas regiões da Argentina, apesar da existência de triatomíneos infectados, não existia a clínica da doença e, com isso, contestou a veracidade da distribuição geográfica da doença descoberta por Chagas. No Brasil, o questionamento foi realizado por vários membros da Academia Nacional de Medicina , numa disputa histórica que durou de 1919 a 1923. Em 1919, Figueiredo de Vasconcelos afirmou que entre as doenças parasitárias endêmicas no Brasil, apenas a “ancylostomíase e o impaludismo são moléstias graves” e que “o mesmo não se dá com a trypanosomíase brasileira”. Outro desafeto de Chagas foi Afrânio Peixoto, que discutiu sobre a verdadeira “extensão do mal” que chamou de “doença de Lassance”; além disso, Peixoto questionou a estatística sobre a enfermidade: seria real a prevalência de 15% da população brasileira infectada, isto é, mais de 4,5 milhões de brasileiros seriam atingidos pelo mal?
Apesar desses e de outros questionamentos, tudo findou com a plena vitória de Chagas. O próprio Oswaldo Cruz saiu em sua defesa. Belisário Penna, várias vezes, defendeu Carlos Chagas, relatando a expedição realizada com o médico Arthur Neiva, onde constatou a exata dimensão do impacto negativo causado pela doença de Chagas nos habitantes das regiões visitadas.
Pesquisa realizada em 2002, analisando a trajetória da doença de Chagas em Lassance, ou seja, 90 anos após a descoberta de Carlos Chagas, mostrou que a positividade para a doença foi de 5,03%, afetando, basicamente, os grupos de faixa etária elevada, sendo a letalidade ainda significativa.
Carlos Chagas morreu aos 54 anos, em 1932, e é considerado, até hoje, um dos cientistas brasileiros mais completos.
Rozélia Bezerra – Mestre pela Faculdade de Veterinária da Universidade de São Paulo (usp), doutoranda em Educação pela mesma universidade. É professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco.