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Jaime Pinsky escreve sobre brasileiro que sai do Brasil em busca de melhores condições de vida e o que isso diz sobre nosso país.

Nosso avô do Vêneto | Jaime Pinsky

O fato é indiscutível. Um número cada vez maior de brasileiros sai do Brasil para não mais voltar. Na verdade, até voltam, mas por pouco tempo, só para matar a saudade, já que fixaram residência em países que consideram mais promissores. Brasileiros que vivem nos EUA e na Europa adoram nos visitar no final do ano, quando o frio no hemisfério norte fica desagradável e eles passam a sonhar e idealizar nossas praias com água morna, areia fina e acesso livre. São hordas de brasileiros lotando os aeroportos do Primeiro Mundo para duas semanas de Brasil. Passado esse tempo, em que recarregam suas baterias, eles voltam ao país que escolheram para residir, onde conseguem ter um padrão de vida superior.

Por aqui, muita gente anda pesquisando suas origens, não por súbito amor à História, mas para ver se encontram algum bisavô que possa garantir à família um documento que assegure a cidadania europeia. Nunca se suspirou tanto por aquele camponês do Vêneto que, cansado de ser explorado, juntou sua numerosa família e suas poucas posses e veio ao Brasil em busca de liberdade, pão e uma pequena gleba onde pudesse trabalhar sossegado. Agora, um século depois, o sentido é inverso, todos daqui almejam um passaporte da União Europeia, na esperança de permitir uma vida melhor para os descendentes.

passaporte sobre mapa - Brasileiros-pesquisam-suas-origens-para-buscar-antepassado-que-possa-garantir-cidadania-europeia

O que aconteceu com nosso país? A resposta, sabemos todos, embora não tenhamos muito coragem de formulá-la claramente. Mas meus leitores do Correio, com quem dialogo há muitos anos, merecem franqueza. O Brasil não se tornou aquele país que esperávamos. Não temos aqui uma sociedade solidária. Não temos aqui uma democracia funcional. Não temos aqui uma Justiça razoável. Não temos aqui um ensino universal de qualidade.

Por mais que os formalistas tentem explicar as firulas processuais, nenhum ser humano normal, dotado de um mínimo de bom senso, pode aceitar o fato de que todos os políticos julgados, mesmo os raríssimos condenados, nas instâncias inferiores, a penas longas, acabam saindo livres, ricos, respeitados e, com frequência, presenteados com cargos públicos bem remunerados. Por outro lado, o STF preocupa-se em manter penas como a de uma pobre infeliz que surrupiou algumas barras de chocolate no supermercado e teve a ousadia de pedir perdão. “A lei tem que ser aplicada”, dizem os arautos da injustiça seletiva.

Na área da Educação o descalabro é geral. Em vez de buscar o apoio de boas universidades e bons especialistas, os governos (e estou usando o plural, não estou falando apenas da era bolsonarista) aparelham os setores do Ministério de Educação, que deveriam ter um caráter técnico, com gente sem um mínimo de condição curricular e intelectual para desempenhar até papeis subalternos. O resultado é a transformação de uma área, que algumas décadas atrás, (como nos tempos do Presidente Itamar Franco) prometia ser séria, apolítica e destinada a estabelecer políticas de Estado, em mera aplicadora de receitas ineficientes. O resultado tem sido o esvaziamento crescente do órgão, pois gente boa, quando convocada, não consegue  implantar propostas sérias, mesmo as que estão dando certo em muitos outros países. E por aí vamos, reproduzindo a desigualdade, não dando oportunidades iguais a todos e fazendo remendos com sistemas de cotas que, evidentemente, só beneficiam os poucos beneficiados, não a maioria da sociedade. O sistema de cotas não é uma solução, é um paliativo e como tal precisa ser visto.

Democracia? A despeito dos esforços de poucos, a despeito de ser melhor uma democracia formal (que não é mais do que democracia aparente, não real) à democracia alguma (e ministros inteligentes, como Barroso, sabem disso), vamos ser sérios… Que democracia é esta? O sistema democrático tem, entre seus princípios básicos, o conceito da igualdade de oportunidades. Que oportunidade igual tem um adolescente de 18 anos, que fez uma escola pública na periferia da cidade, contra outro, que estudou em uma escola particular de ponta, que custou mais de 5 mil reais por mês e prepara cuidadosamente os alunos para o vestibular? Igualdade de oportunidade? Piada. Este estudante entra em Medicina, ou Engenharia, ou Administração, ou Economia em uma excelente faculdade pública. Faz o curso superior sem pagar nada. Como não há refeição grátis, todos nós pagamos. Vejam só a ironia: somos nós, todos nós, com nossos impostos, inclusive os mais pobres dentre nós, os financiadores do estudo superior do garoto de boa família.  No final, o rapaz vai fazer uma pós graduação nos EUA e nunca mais volta ao Brasil, a não ser no final do ano, para mostrar à sua noiva, americana ou europeia, como o seu país é lindo… nos quinze dias em que passa aqui.

 Quando o sujeito é muito generoso, mas muito generoso mesmo, pois não tem nenhuma obrigação de fazer isso, ele faz uma pequena contribuição à faculdade em que estudou de graça durante quatro, cinco ou seis anos. E fica chateado que não coloquem uma plaquinha lembrando seu ato patriótico.

Feliz ano novo a todos.


Jaime Pinsky – historiador, professor titular da Unicamp, doutor e livre-docente da USP, organizador e coautor do livro Novos combates pela História (Editora Contexto).

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