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5 de Outubro de 1897 | Destruição de Canudos

Em 5 de outubro de 1897, as forças do Exército brasileiro, compostas por quase nove mil homens e comandadas por dois generais, cercaram, invadiram e destruíram o arraial de Canudos, no sertão baiano. Essa data marca o ápice de quatro campanhas militares enviadas entre 1896 e 1897, primeiro pelo governo da Bahia e depois pelo governo federal, contra a povoação de Belo Monte, também conhecida como Canudos, assinalando o fim de um conflito que passou para a História como um dos mais sangrentos do Brasil.

5 de Outubro de 1897 | Destruição de Canudos

Ao longo do século xx, historiadores e analistas sugeriram várias interpretações para a Guerra de Canudos: uma abordagem tradicional, ligada aos positivistas, interpretou a destruição de Canudos como a vitória da “ordem e progresso”, representados pelo Estado republicano da passagem dos séculos xix ao xx, contra o “atraso” representado pelo povo do sertão. Já a historiografia marxista explicou esse aconteci-mento como o esmagamento de um movimento revolucionário socialista e camponês pelas “forças do latifúndio”.

Atualmente, novas pesquisas abordam tanto a Guerra de Canudos como a comunidade de Belo Monte sob novas perspectivas: como se organizava a povoação? Quais as bases de sua economia? Quais os fundamentos culturais e religiosos que levaram à fundação de Canudos?

Caracterizado como um movimento messiânico, Canudos é estudado hoje como parte de uma tradição sertaneja, e não como um fenômeno isolado. O arraial, assim como outras comunidades fundadas em princípios messiânicos, surgiu de uma associação de diferentes fatores, tanto socioeconômicos quanto religiosos e culturais. No primeiro caso, destacam-se as secas frequentes, que aumentavam o empobrecimento da população, e o poderio dos latifundiários sertanejos, que controlavam o acesso à terra e ao trabalho. Do ponto de vista cultural, a religiosidade popular, a tradição de trabalho comunitário e a mobilidade espacial contribuíram para a formação de Canudos a partir das pregações de Antônio Conselheiro.

O arraial de Canudos era uma comunidade bem localizada, instalada na confluência de estradas movimentadas, nas margens do rio Vaza-Barris, em terras pertencentes à fazenda Canudos, no sertão da Bahia.  Apesar de já existir antes de 1893, foi nesse ano que Antônio Conselheiro lá se estabeleceu com seus seguidores. Conselheiro era um pregador peregrino, na tradição religiosa sertaneja de beatos, romeiros e conselheiros. Logo, os novos habitantes começaram a construir igrejas, casas, ruas, ampliando o pequeno arraial, que passou a se chamar Belo Monte.

A comunidade logo cresceu, baseada na pequena agricultura, na pecuária caprina e no trabalho e na propriedade comunais, elementos tradicionais entre o povo do sertão. Abrigava ainda, assim como a sociedade sertaneja que espelhava, a propriedade privada, um florescente comércio de couro que enriquecia seus proprietários e uma hierarquia social que segregava negros e índios. Assim, a tese bastante difundida que apresenta Canudos como uma experiência socialista ignora a composição social e econômica da comunidade, que apenas reproduzia a estrutura da sociedade sertaneja na qual se inseria.

Então, por que Canudos foi pivô de uma repressão tão sangrenta? A razão para tal se entrelaça com outra ideia bastante difundida: a de que foram as pregações monarquistas de Conselheiro, que pretensamente queria promover uma revolta contra a República, que provocaram a repressão. No entanto, estudos recentes mostram que a pregação de Conselheiro era de cunho essencialmente religioso, e não político, sem se voltar necessariamente contra a República, mas contra o aumento de impostos e a situação de penúria do povo.

Nessa perspectiva, Canudos não atacou a República, mas foi atacado por ela, que via nessa comunidade um desafio às novas ideias de “ordem e progresso” que queria implementar. O que levou o arraial de Belo Monte a atrair a atenção da República foi uma escalada de eventos que, mesmo de cunho local, logo se transformaram em questão nacional.

A pregação de Conselheiro contra o aumento de impostos é em geral entendida como o início dessa escalada. Mas foram os latifundiários, que normalmente inimizavam os pregadores sertanejos, que pressionaram o governo da Bahia contra Conselheiro. O crescimento do arraial de Belo Monte, que desenvolvia um próspero comércio de couro e atraía a mão de obra da região, também foi motivo de oposição contra Conselheiro e sua comunidade. Assim, foram desavenças políticas e econômicas que levaram, em 1896, as autoridades de Juazeiro a pedir ao governador da Bahia o envio de tropas contra Canudos, alegando que forças do arraial atacariam a cidade.

A pressão dos senhores sertanejos levou o então governador da Bahia, Luiz Viana, a enviar a primeira expedição, comandada por um tenente e composta por 118 soldados contra Canudos. Com a derrota dessa expedição, seguiu-se uma tropa maior, com 600 homens comandados por um major, que também foi derrotada.

A essa altura, os jornais já davam ampla notícia de Canudos, apresentando-o como uma fortaleza isolada de gente sediciosa que queria subverter a República. As disputas políticas entre o governador da Bahia e seus opositores, que apresentaram a questão à Presidência, também contribuíram para acirrar os ânimos contra Canudos. Situação que se intensificou com a pressão dos opositores de Prudente de Morais, presidente da República, que usavam a contestação de Conselheiro e as derrotas na Bahia para criticar o governo.  Assim, foram disputas políticas bem distantes de Canudos que levaram o governo federal a armar uma terceira expedição, que partiu do Rio de Janeiro comandada pelo Coronel Moreira César, apelidado “o corta-cabeças”. Mas Moreira César não apenas foi derrotado, como também morreu em combate.

A derrota nas mãos de uma gente considerada rude e atrasada foi tomada como uma afronta para o Exército, que, durante essa campanha, perdera inclusive seus modernos fuzis alemães. A quarta e última expedição, que culminou na destruição do arraial, foi então enviada sob o comando de dois generais, incluindo o ministro da Guerra. Eles empreenderam um ataque contra Canudos que se estendeu de julho a outubro de 1897, acabando com a morte de dois mil soldados, cinco mil moradores, a destruição total da povoação e a prisão de cerca de mil mulheres e crianças.

Esse episódio foi acompanhado por Euclides da Cunha, que registrou suas impressões em um livro que se tornou obra-prima da literatura brasileira: Os sertões.

Canudos passou para a História como um dos maiores movimentos messiânicos do Brasil. Mas não podemos esquecer que a comunidade pertencia a uma tradição bastante prolífica de movimentos messiânicos de pregadores populares. Os muitos significados atribuídos a Canudos, tanto como símbolo da barbárie quanto como símbolo da resistência popular, devem-se em grande parte à intensidade da repressão sofrida e à ampla divulgação em todo o território nacional. Seja como for, a aniquilação do arraial atesta que a história brasileira tem mais crueza e conflitos do que se costuma pensar.


Por Kalina Vanderlei Silva é Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora da Universidade de Pernambuco (no Departamento de História da Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata e no curso de mestrado em Hebiatria da Faculdade de Odontologia de Pernambuco). Autora do Dicionário de conceitos históricos (com Maciel Henrique Silva) e Novos Temas nas Aulas de História, ambos publicados pela Editora Contexto.