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Nossos partidos: ideológicos ou fisiológicos? | Jaime Pinsky

No meio da confusão que tem caracterizado o parlamento brasileiro, da venda de votos em troca de verbas e de postos na administração pública, no meio do desapontamento das pessoas com relação à honestidade de políticos que se apresentavam como baluartes da ética, no meio de conluios vergonhosos alinhados secretamente, ou fechados de forma descarada e explícita, podemos ser levados a acreditar que nada é ideológico e tudo é fisiológico.  Isso de fato acontece com um bom número de congressistas, com um grande número de partidos, mas não com todos. Há alguns que continuam fiéis aos seus ideais – e nem sempre isso é tão bom. De um lado, temos uma direita retrógrada, contrária a qualquer avanço social e comportamental, truculenta, homofóbica. Mas não é dela que quero falar hoje, e sim de partidos autodenominados de esquerda.

Temos, por exemplo, aqueles que não se conformaram com as mudanças ocorridas no mundo e levantam bandeiras já mofadas, superadas pela História. Afinal, ranços de stalinismo e maoísmo nos dias de hoje (quando a Rússia e a China já disseram adeus a esses ideais há muito tempo) , saudades de regimes assassinos, não podem recomendar grupelhos partidários inexpressivos em votos, mas barulhentos. É uma velha esquerda, no mau sentido da expressão. Essas correntes políticas participam do jogo democrático para destruí-lo, pois seu objetivo são as mudanças estruturais em ritmo acelerado, o rompimento radical da ordem institucional. O resultado de sua ascensão ao poder seria o partido único (pois a verdade para eles é única), o fim da liberdade de expressão (tanto da imprensa quanto do indivíduo), da propriedade privada dos bens de produção, o controle da atividade artística (Mao chegou a proibir a execução de músicas de Mozart, Stalin simplesmente mandou matar numerosos escritores). Os representantes desses arcaísmos em forma de partido clamam por democracia: democracia esta que seria imediatamente confiscada dos brasileiros caso esses partidos chegassem ao poder.

Temos os agrupamentos originários de sindicatos. Em algumas décadas a economia mundial mudou muito e hoje em dia tem mais gente ligada ao setor de serviços do que à produção de bens industrializados. Os avanços no sistema produtivo deslocaram a atividade sindical do chão de fábrica para os escritórios dos edifícios de empresas privadas e públicas. Os partidos de base sindical teriam  que mudar seu DNA, mas não tiveram muito sucesso nesse processo: mantiveram algumas características negativas do velho sindicalismo (dirigentes se eternizando no poder, verbas garantidas por lei, ligação promíscua com o Governo) e não se renovaram. E pior, quando no poder, praticaram “malfeitos” (na expressão delicada da ex-presidente Dilma) em nome da continuidade no poder, para defender o povo…

O diabo é que pouca gente pensa e age como uma esquerda moderna, voltada para avanços na área de comportamento, da representatividade real, de um sistema de impostos progressivo bem estruturado que não desestimule os investimentos produtivos, mas não puna os menos aquinhoados, de uma escola pública universal e de qualidade. O irônico é que poucos países (se é que houve algum) tiveram na presidência, como nós, durante oito anos um importante intelectual com convicções social democratas e durante outros oito um importante líder sindical de origem operária. Contudo, depois desses dezesseis anos, que deveriam ser de avanços importantes, continuamos com uma escola pública que reproduz as diferenças sociais em vez de aplainá-las. E é claro que não são os cursos superiores de má qualidade, desses que funcionam com taxímetro, que vão dar melhores condições aos jovens que não conseguem entrar em boas universidades. Depois desses dezesseis anos de governos supostamente progressistas, continuamos tratando o aborto como uma questão religiosa e não um problema de saúde. Continuamos burocráticos e ineficientes se comparados com países de primeiro mundo, mas também nossa ineficiência se manifesta se comparada com nações emergentes que, graças à desburocratização, a uma escola pública de qualidade e a avanços na área de comportamento, saíram lá atrás e rapidamente nos ultrapassaram.

E ainda tem gente no Congresso que lança manifestos de apoio a Maduro, o tirano que está infelicitando a Venezuela… Bem o PSOL, que até parecia um partido moderno de esquerda. Que desilusão! Pelo visto, de moderno ele só tem o Jean Wyllys.


Por Jaime Pinsky: Historiador, professor titular da Unicamp, autor ou coautor de 30 livros, diretor editorial da Editora Contexto.